Normas revelam atenção do CNJ à atividade e conduta dos magistrados

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Em 15 anos de trajetória, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem-se mostrado um órgão atento aos parâmetros que regem tanto a vida funcional dos magistrados quanto a conduta dos cerca 18 mil juízes, desembargadores e ministros que compõem a Justiça brasileira. As resoluções emitidas pelo Conselho regulamentam temas previstos na legislação e atualizam as normas conforme as transformações feitas pelo Poder Legislativo e pelas modulações impostas pela interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF).

A variedade de temas regulamentados pelo CNJ abrange desde o concurso de ingresso na carreira da magistratura até questões relacionadas à aposentadoria. Resoluções do CNJ disciplinaram as movimentações na carreira. Uma das primeiras normas aprovadas pelo CNJ, em 2005, a Resolução CNJ n. 6 foi responsável por dar publicidade às promoções por merecimento na carreira, enquanto a Resolução CNJ n. 209 determinou em 2015 as regras para convocação de magistrados atuarem em órgãos que não os seus de origem, sem que ocasionasse déficit de juízes nas varas, queda na produtividade e gastos excessivos para os órgãos aos quais pertencem.

O CNJ também padronizou nacionalmente o direito a afastamento do magistrado, com os deveres correspondentes a esse direito. Temas próprios da carreira, como a concessão de férias anuais e a identificação funcional dos magistrados, também foram objeto de normativos do CNJ ao longo dos últimos 15 anos. A segurança de magistrados em risco e da proteção de seus familiares das ameaças recebidas em função da atuação profissional do juiz gerou a Resolução CNJ n. 218, em 2015, que foi alçada à condição de Política Nacional de Segurança do Poder Judiciário, em 2019.

Disciplinar a conduta

Em paralelo à regulação das atividades inerentes à função exercida por magistrados, o Conselho também tratou de regras para balizar a conduta dos magistrados, dentro e fora do âmbito da atuação profissional. A uniformização dos Processos Administrativos Disciplinares (PAD), de 2007, e a regulação do uso das redes sociais por magistrados, realizada em 2019, são exemplos da prioridade conferida pelo Conselho à normatização do comportamento dos homens e mulheres responsáveis por julgar os conflitos levados aos tribunais pela sociedade brasileira.

Uma das primeiras e mais importantes regulamentações da conduta dos magistrados promovidas pelo CNJ foi a instituição do Código de Ética da Magistratura, em agosto de 2008. A norma complementou os parâmetros comportamentais já previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e na Constituição Federal. A Resolução CNJ n. 60 detalhou o que se espera dos magistrados em relação aos princípios que regem o exercício da magistratura: independência, imparcialidade, conhecimento e capacitação, cortesia, transparência, segredo profissional, prudência, diligência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro.

Um grupo de trabalho foi composto por três conselheiros da primeira composição do CNJ para estudar o tema e formular uma proposta de texto para o código de conduta. Os magistrados Marcus Faver, Jirair Meguerian e Cláudio Godoy consideraram também as sugestões feitas por consulta pública aberta pelo CNJ entre abril e maio de 2007. No processo participativo, foram ouvidas as entidades representativas da classe, os tribunais e a sociedade brasileira, por meio do Portal do CNJ.

Um dos integrantes do grupo de trabalho, o ex-conselheiro do CNJ, Cláudio Godoy, recorda a urgência de se estabelecer a norma sobre os deveres da magistratura que complementasse a Loman, que datava de 1979, e a Constituição Federal de 1988, e os debates que levaram ao texto aprovado pelo Plenário do CNJ. “Lembro-me do reclamo que havia por um texto deontológico que fixasse marcos comportamentais além dos deveres positivados na Loman, e ainda na esteira de códigos de ética internacionais de conduta que na ocasião foram examinados. Lembro também de ter sido intensa a primeira discussão do Colegiado sobre o exato alcance e concretude que definiriam o Código de Ética”, afirmou o hoje desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Com quase 12 anos de vigência do Código de Ética da Magistratura, o desembargador do TJSP observa a contribuição da norma para reforçar a credibilidade do Poder Judiciário e sua legitimidade de atuação. “Penso ter sido marcante a preocupação com a disposição de normas de conduta que assegurassem a máxima transparência e independência do juiz e de seus atos, dentro e fora do processo, de modo a preservar a confiança em que a judicatura se exercia (e se exerce) livre de qualquer influência que não ditada pelo convencimento racional do julgador, à luz do sistema jurídico”.

Atividade docente sem suspeitas

Em 2016, o Plenário do CNJ atualizou a regulamentação da atividade docente exercida por magistrados para evitar que se levantassem suspeitas sobre a imparcialidade desses magistrados nos julgamentos que envolvessem as entidades responsáveis pelos eventos. Conforme a Loman e a Constituição Federal, ser professor universitário é a única possibilidade de atividade profissional permitida a um magistrado, sob pena de perda do cargo. No entanto, havia uma discussão se a participação de juízes como palestrantes em eventos jurídicos ou culturais era considerada atividade docente. O CNJ resolveu a pendência ao condicionar a atividade à transparência, conforme estabelecido pelo próprio CNJ, no ano anterior, na Resolução CNJ n. 215, em que o Poder Judiciário incorporou a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011).

A Resolução CNJ n. 226 permitiu aos magistrados atuarem como “palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora” de eventos desde que a participação seja comunicada ao tribunal, que deve tornar a informação pública no portal da instituição. A natureza dos eventos com participação de magistrados autorizada fora definida em 2013, pela Resolução CNJ n. 170. A norma abrangeu “congressos, seminários, simpósios, encontros jurídicos e culturais e eventos similares realizados, promovidos ou apoiados” por órgão da Justiça.

O relator do processo administrativo que deu origem à resolução, ex-conselheiro Carlos Eduardo Dias, ressalta a previsão de que o tribunal ao qual está vinculado o magistrado tem de ser informado da palestra dentro de 30 dias após o evento. As informações incluem a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento. “A Resolução 170 já havia regulado o tema das palestras, mas atualizamos as normativas a esse respeito ao estabelecermos que não há impedimento para palestras, mas elas têm de ser expostas publicamente para que se saibam as circunstâncias em que aconteceram”, afirmou o conselheiro do CNJ entre 2015 e 2017.

Assim, uma das partes de um processo pode apontar ao tribunal o impedimento de um juiz no julgamento de causa que envolva alguma das entidades que o tenham contratado como palestrante de evento por ela organizado. Segundo Dias, essa controvérsia acontecia sobretudo nos anos 1990, quando instituições financeiras promoviam eventos em hotéis luxuosos em localidades turísticas com a participação de magistrados.

“É muito delicado esse tipo de situação porque os convidados eram, muitas vezes, os magistrados e suas famílias. Isso representava uma despesa considerável para as entidades organizadoras do evento, que a custeavam. Ninguém diz que alguém se corromperia por causa disso, mas há uma mácula na imparcialidade. Eu não via uma associação de defesa de consumidores, por exemplo, fazer um mesmo tipo de evento”, disse o magistrado, que hoje atua como juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP).

O debate que levou à elaboração da norma revela como o CNJ acompanha a evolução da sociedade. Além de regulamentar as palestras, a resolução também considerou a atividade de coaching como não sendo uma atividade docente. A demanda por uma definição a respeito de uma atividade crescente no mercado de trabalho surgiu diante quantidade de procedimentos direcionados à Corregedoria Nacional de Justiça que solicitavam autorização da atividade a magistrados, como também a vedação do coaching como atividade docente.

Proteção para julgar

Além de estabelecer e atualizar parâmetros de conduta para a magistratura, em nome da credibilidade do Poder Judiciário, o CNJ também editou norma para preservar a intimidade e privacidade dos magistrados que precisam se declarar suspeitos para atuar em determinada causa, por motivo de foro íntimo. Até a edição da Resolução CNJ n. 250, valia uma norma anterior que determinava ao juiz de primeiro grau que declarasse seus motivos para suspeição por foro íntimo à Corregedoria de seu tribunal. Para o magistrado de segundo grau, valia o mesmo, porém as explicações eram endereçadas à Corregedoria Nacional de Justiça.

De acordo com o relator da proposta que resultaria na Resolução CNJ n. 250/18, conselheiro Gustavo Alkmim, a norma anterior (Resolução CNJ n. 82) fora editada em 2009, como resposta ao caso do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), verificado em inspeção da Corregedoria Nacional de Justiça ao judiciário local, em que desembargadores da corte se declaravam suspeitos para julgar determinados processos com muita frequência. De acordo com o então conselheiro, a resolução acabou se revelando problemática por causa do efeito prático que causou ao estender uma norma genérica destinada a coibir abusos para todos os casos.

“Inverteu-se a lógica. Se é motivo de foro íntimo, é foro íntimo e não tem de ir para o público. Encaminhavam-se os motivos para a corregedoria, mas acabavam expostos nos corredores, no foro, por mais que fossem sigilosos”, afirmou Alkmim, atualmente desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). De acordo com o conselheiro, quando editou a norma de 2009, o CNJ estava preocupado com abusos cometidos. No entanto, a resolução acabou sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu seus efeitos práticos.

Em 2015, com a aprovação do novo Código de Processo Civil (CPC), dispensou-se o magistrado de revelar seus motivos de foro íntimo quando se declara suspeito em determinada causa. A norma do CNJ adaptou-se à lei nacional e também incluiu a dispensa em resolução, que adquire efeito de lei no âmbito do controle administrativo do Poder Judiciário. “Quando um juiz, em tese, deixa de julgar processo por algum motivo íntimo ou por uma eventual relação com uma das partes ou por indicar ter um pré-julgamento do caso, seja qual for o motivo, é excepcionalidade. E tem de ser tratada como tal”, afirmou o conselheiro, que coordenou, no CNJ, o grupo de trabalhou que regulamentou a incorporação do novo CPC às normas do CNJ.

Segundo o conselheiro Alkmim, a nova resolução não restringiu a atuação dos órgãos correcionais da Justiça e os juízes seguem sujeitos a todos os ônus impostos pela lei. “Casos há de irregularidades, que estão sempre sendo apuradas pelo CNJ, por exemplo quando juiz pratica abuso de direito ou denúncias até mais graves. São situações pontuais, mas o que pareceu contraditório foi colocar o simples fato de o juiz se dar por suspeito torná-lo alguém suspeito”, afirmou o ex-conselheiro. Desembargador da Justiça do Trabalho, Alkmim revela em tom de brincadeira declarar-se suspeito sempre que diante de um julgamento do seu time de coração, o Fluminense Football Club, que figura em dezenas de causas trabalhistas no seu tribunal, o TRT-RJ.

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Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias