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Por que o programa Fazendo Justiça?
Os sistemas de privação de liberdade do Brasil enfrentam questões estruturais que demandam mudanças sistêmicas e esforços coordenados, que precisam ser realizados de forma contínua em sucessivas gestões. O tamanho desse desafio pode ser medido pelo reconhecimento do estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 (ADPF 347). Esse marco reforçou a responsabilidade de todos – Poder Público, sociedade civil e instituições do terceiro setor – para a superação desse quadro por meio de diálogo permanente e ações articuladas em rede.
A população prisional brasileira triplicou no período de 20 anos. Entre 2000 e 2019, os números passaram de 230 mil para 770 mil, o que coloca o Brasil na terceira posição entre os maiores encarceradores do mundo. A superpopulação carcerária é um obstáculo para que o Estado possa prover condições dignas de cumprimento de pena, além de implicar em elevados gastos públicos que poderiam ser melhor aplicados em políticas preventivas, como educação, fomento ao trabalho e geração de renda, entre outras.
De acordo com estimativas, seriam necessários R$ 14,7 bilhões anuais apenas para a manutenção do sistema prisional, sem falar em bilhões adicionais necessários para absorver o excedente da população carcerária. A superpopulação prisional também impacta a qualificação de políticas penais para fazer cumprir a legislação e a ampliação e capacitação de profissionais. Embora com diferentes enquadramentos e desafios, preocupações semelhantes se somam com a responsabilização de adolescentes no sistema socioeducativo.
Os efeitos também são sentidos no campo da segurança pública e no agravamento da violência estrutural em nossa sociedade, que precisam de respostas definitivas e estruturantes. O programa Fazendo Justiça objetiva incidir nas causas desse cenário para produzir respostas alinhadas aos princípios básicos defendidos por nossa Constituição, atuando simultaneamente em diferentes fases do ciclo penal e do ciclo socioeducativo. Trabalha de forma colaborativa com diversos atores do campo público, privado e da sociedade civil com atenção aos desafios específicos de cada unidade da federação.
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O Estado de crise do sistema prisional é uma realidade. Episódios de negligência e barbárie que chocam a sociedade mostram apenas um fragmento de problemas estruturais graves, cujo enfrentamento exige mudanças sistêmicas e coordenadas que vão além dos esforços de uma única gestão.
A população prisional do país triplicou em apenas 16 anos – em 2016, chegamos a 726 mil pessoas privadas de liberdade, subindo à terceira posição entre os maiores encarceradores do mundo. Importante destacar que estamos na contramão mundial, uma vez que Estados Unidos, China e Rússia, que também ocupam o topo do ranking, vêm reduzindo suas populações prisionais nos últimos anos.
O inchaço desordenado da massa carcerária no Brasil é ainda mais dramático considerando a baixa capacidade de resposta do Estado, agravada pela crise fiscal que atinge as unidades da federação. De acordo com dados do Ministério da Justiça, seriam necessários R$ 25 bilhões em sete anos apenas para absorver esse crescimento, sem falar nas dificuldades relativas a recursos humanos, pois faltam profissionais e capacitação adequada para ampará-los.
Como consequência dos problemas estruturantes, a gestão cotidiana dos serviços penais enfrenta uma perda de controle interno, com violações sistemáticas de direitos, comprometimento da individualização da pena, déficit de gestão e falta de transparência, conjunto classificado como ‘Estado de coisas inconstitucional’ pelo Supremo Tribunal Federal. Massacres e rebeliões se tornam cada vez mais comuns e a alta mortalidade dentro dos presídios – há seis vezes mais chances de morrer na prisão sob custódia do Estado – mostra que estamos cada vez mais longe de um sistema que deveria reintegrar.
O saldo dessa narrativa tem repercussão direta na segurança pública, uma vez que o caos nos presídios é um dos fatores responsáveis pelo crescimento e fortalecimento de facções criminosas que buscam a desestabilização social. Vivemos um quadro de violência estrutural, onde soluções racionais baseadas em evidências acabam preteridas por propostas emergenciais que respondem à cultura do medo, mas poucos efeitos têm para enfrentar a situação de forma eficiente e sustentada.
Enquanto isso, Judiciário e Executivo estão sobrecarregados e torna-se cada vez mais difícil justificar os altos gastos para manter um sistema majoritariamente disfuncional – a média nacional para manter um preso é de R$ 2,2 mil, enquanto o salário mínimo aprovado em 2019 é de R$ 998. A pressão por melhorias vem de diferentes frentes, incluindo organismos internacionais, órgãos jurisdicionais, normativos e de controle e da própria sociedade, resultando em perda de credibilidade para o Judiciário e prejuízos políticos para o Executivo.
A partir desse quadro, fica evidente que é impossível superar o estado de crise do sistema prisional se não enfrentarmos suas causas, enraizadas em adversidades estruturais de longa data. É preciso olhar simultaneamente para todos os gargalos da execução penal, que incluem uma maior atenção à porta de entrada para evitar o encarceramento excessivo e penas desproporcionais; às prisões disfuncionais que prejudicam uma execução penal eficiente; e à porta de saída que nega a possibilidade de reintegração ao negar oportunidades. É preciso, ainda, enfrentar a má gestão da informação e a normalização da marginalização e violência que incidem em todo o ciclo penal.