O Brasil assiste, nesse início de século, a mudanças efetivas no Sistema de Justiça Criminal. Antes focado apenas na condenação do acusado, o direito penal evolui e busca uma atuação voltada para o resgate da dignidade das vítimas de crimes e delitos. Para concretizar essa mudança, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 253/2018, modificada pela Resolução n. 386/2021, e determinou a criação de Centros Especializados de atendimento e Acolhimento à Vítima nos tribunais brasileiros.
Pioneiro no país, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) implementou uma unidade com esse objetivo e, somente no ano passado, realizou 288 atendimentos especializados. Coordenadora do Centro de Atenção e Apoio às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais, a juíza auxiliar da Presidência do TJRJ, Fernanda Galliza, explica que, além de espaço adequado para acolhimento, o local conta com profissionais da área jurídica e de saúde para atender demandas de pessoas afetadas por violência.
“Além de acolhimento e orientação para aliviar o sofrimento de vítimas de crimes, nossa equipe também faz encaminhamentos para unidades de saúde do município. A preocupação primordial é garantir que não haja revitimização”. A juíza aponta que o processo penal, antes voltado para o réu, passa por mudanças e, agora, também está olhando para as vítimas. “A violência é um trauma e quem passa por isso precisa de atenção. Nosso trabalho é olhas para a vítima, ampará-la e protegê-la.”
Fernanda Galliza ressalta que o Centro de Atenção às Vítimas do TJRJ também atende demandas jurídicas, acompanha o andamento do processo e informa sobre audiência e sentença. “Em muitos casos, a vítima tem direito a indenização junto ao INSS ou ao juízo cível e nossos profissionais fornecem informações e orientações a esse respeito, sempre buscando viabilizar que o benefício seja obtido”.
Um dos primeiros diplomas legais de proteção à vítima foi a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e punir os agressores. Com o objetivo de atender mulheres agredidas, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) implementou o Projeto Recomeçar, que realiza cirurgias plásticas reparadoras em mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica.
Viabilizada a partir de uma parceria entre o Poder Judiciário goiano e a Fundação Instituto o Desenvolvimento do Ensino e Ação Humanitária (IDEAH) da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), a iniciativa busca amenizar a dor e contribuir com a recuperação da autoestima de quem sofreu de violência doméstica. As vítimas são encaminhadas pelo TJGO para a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar que viabiliza a avaliação médica. Posteriormente, a IDEAH direciona o atendimento ao Serviço de Cirurgia Plástica da Rede Privada e aos serviços públicos credenciados da SBCP.
Direitos das vítimas
Para o presidente da Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do CNJ, conselheiro Marcio Freitas, um dos maiores desafios do processo penal é o de tornar efetivos os direitos das vítimas, seja no que diz respeito ao aspecto patrimonial, seja no que diz respeito ao acompanhamento dos fatos processuais, como informação de prisões e solturas do acusado, por exemplo. Ele afirma que a própria estrutura do processo penal é pensada, de modo geral, para lidar com o acusado, o que acaba relegando a vítima a uma posição de mera fonte de informações. “Ao acusado que não tem um advogado, o Estado tem de proporcionar acesso a um defensor público. À vítima, isso nem sempre é garantido. O ideal era que fosse, especialmente naqueles casos em que cabe ao estado o papel de proteger a vítima, como nos casos de violência doméstica. Porém, nem sempre isso acontece”.
Ele enfatiza que, por meio dos Centros Especializados de atendimento e acolhimento à vítima, o Poder Judiciário vem fomentando o acolhimento e a orientação sobre os direitos das vítimas de crimes e atos infracionais. Freitas também aponta a existência de programas, como a Justiça Restaurativa, que visam a dar voz às vítimas. Ele destaca que esse instrumento funciona como uma solução para além do viés punitivista. “Na prática, é possível ouvir a vítima, familiares e demais atingidos. O CNJ possui uma Comissão de Justiça Restaurativa que dá voz à vítima e busca reequilibrar, minimamente, essa relação”.
Texto: Jeferson Melo e Nathalia Queiroz
Edição e supervisão: Karina Berardo
Agência CNJ de Notícias