A violência política contra a mulher passou a ser tipificada como crime em agosto do ano passado, quando foi sancionada a Lei n. 14.192. Desde então, somente o Ministério Público Federal (MPF) contabilizou, até novembro de 2022, 112 procedimentos relacionados ao tema. Em 15 meses, a cada 30 dias, ocorreram sete casos envolvendo comportamentos para humilhar, constranger, ameaçar ou prejudicar uma candidata ou mandatária em razão de sua condição feminina.
Nas eleições deste ano, registrou-se crescimento de 18% na bancada feminina na Câmara Federal. Foram eleitas 91 deputadas, contra 77 em 2018. Do total de 513 parlamentares, apenas 17,7% são mulheres. No Senado, com um total de 81 cadeiras, elas perderam duas e ocuparão dez (12,3%) a partir de 2023. E, entre os 26 estados e o Distrito Federal, apenas Rio Grande do Norte e Pernambuco serão governados por mulheres.
Apesar de corresponder a 52% da população, a baixa representatividade feminina explicita a estrutura conservadora de uma sociedade patriarcal e misógina. “O ambiente político ainda é muito tóxico para as mulheres, que são comumente ofendidas, humilhadas, ameaçadas e desrespeitadas exclusivamente em razão da sua condição feminina”, afirma a ministra substituta Maria Claudia Bucchianeri, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ela ressalta que a violência política contra as mulheres é um dos principais fatores apontados por estudiosos para a reduzida presença feminina política. A situação é ainda mais aguda, observa a ministra, quando envolve a mulher negra. “São inúmeras as parlamentares negras que demandam proteção especial para si e suas famílias para que possam exercer seus mandatos, dado o volume de ameaças que recebem exclusivamente em razão da política e de sua condição de mulher negra”.
Ao criminalizar a violência política de gênero, a Lei n. 14.192/2021 vai contribuir para mudar o cenário e abre, no país, um momento de transição de uma cultura de normalização para uma cultura de criminalização, na avaliação de Maria Claudia. “Transitamos de um extremo ao outro, e essa passagem exige debates e esclarecimentos e demanda o advento das primeiras decisões e responsabilizações. A lei ainda é muito jovem e nós estamos fazendo uma mudança de cultura.”
A ministra observa que o crime de violência política contra mulher atinge um bem jurídico que vai muito além da honra subjetiva da ofendida e atinge a normalidade e a legitimidade de uma disputa eleitoral. “Ele atinge, em última instância, a integridade do exercício do mandato político, comprometendo a própria democracia.”
União de esforços
Para sensibilizar e informar a sociedade sobre os variados cenários da violência de gênero contra meninas e mulheres, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promove ações por meio de parcerias com entidades da sociedade civil e órgãos públicos com a campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, realizada entre 21 de novembro e 10 de dezembro. A campanha se inspira em ação mundial iniciada em 1991, intitulada “as mariposas”, em homenagem às irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, assassinadas, em 1960, na República Dominicana. Submetidas às mais diversas situações de violência e tortura, entre elas, o estupro, as irmãs foram silenciadas pelo regime ditatorial de Rafael Trujillo, no dia 25 de novembro de 1960.
Para a procuradora regional da República e coordenadora do Grupo de Trabalho Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho, é bastante positiva a presença da pauta da violência política de gênero na sociedade brasileira e nas instituições no decorrer de 2022. “Isso demonstra que estamos discutindo o problema, mas sabemos que é uma realidade difícil de superar de uma hora para outra”, disse ela. Os dados sobre procedimentos abertos desde a sanção da Lei n. 14.192/2021 foram levantados a partir desse grupo de trabalho.
Neste ano, o TSE e a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) firmaram um protocolo que estabelece prioridade para condutas e ritos processuais para casos de violência política contra mulher. Foram abertos canais para recebimento de denúncias nos portais on-line dos órgãos e foi criada a taxonomia para registro das representações, além de treinamento para operadores do sistema de justiça eleitoral para que analisem os casos a partir de uma perspectiva de gênero.
Segundo Raquel, a conjuntura, composta por nova lei e maior presença da mulher na política, incide no aumento da identificação da violência. “A violência sempre ocorreu e é histórica. O processo pode parecer lento, mas precisa ser enfrentado”. Ela afirma que o Brasil está evoluindo bastante no aspecto legal e no aspecto jurisprudencial, sendo, inclusive, considerado como referência na América Latina com a Lei n. 14.192/2021.
A procuradora destaca o desenvolvimento de trabalho junto aos partidos políticos, ainda que alguns se mostrem resistentes. “O partido é um mecanismo de inserção democrática da representatividade feminina na política”. Segundo ela, o cumprimento da lei exige mudanças nos estatutos para contemplar medidas de prevenção e repressão à violência política.
Pioneirismo
O primeiro caso julgado de violência política contra a mulher com base na Lei n. 14.192/2021 foi registrado na cidade de Pedreiras/MA. O caso ocorreu na Câmara Municipal, onde um vereador arrancou o microfone das mãos de uma colega enquanto ela discursava.
A presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA), desembargadora Ângela Salazar, diz que é fundamental mudar a realidade caraterizada pela baixa participação da mulher na política, principalmente da mulher negra. “Temos de avançar no combate à violência política de gênero e no combate ao racismo, que são caraterísticas de uma sociedade fundada no patriarcado e no racismo”.
Texto: Jeferson Melo
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias