Os moradores idosos de Cruzeta, cidade do agreste do Rio Grande do Norte, foram surpreendidos ao ver suas histórias de vida em um livro de memórias feito por alunos do Ensino Fundamental. O projeto, que resultou na impressão de mil exemplares do livro “Memórias de Cruzeta”, só pôde ser feito por meio do repasse, pelo Poder Judiciário, de recursos originados pela prestação da pena pecuniária – montante arrecadado com a aplicação de penas alternativas. Outras cidades do agreste potiguar passaram a ser palco, nos últimos anos, de eventos culturais e educativos custeados com a verba pecuniária, como apresentações musicais e corridas. A prática tem encontrado respaldo na Resolução n. 154 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária. A norma determina a destinação desse valor para instituições e projetos sociais.
Diferentemente do encarceramento, a pena pecuniária é aplicada a pequenos crimes, com pena máxima de quatro anos, na qual os réus são condenados a doar determinada quantia em dinheiro para instituições sociais. A resolução do CNJ determina que, no lugar de pulverizar pequenas quantias em diversas entidades, os valores das penas pecuniárias são destinados a uma conta judicial. A pena pecuniária pode variar de um a 365 salários mínimos, mas, em média, seu valor é estipulado entre dois a cinco salários mínimos. Para o juiz Marcus Vinicius Pereira Junior, da Comarca de Currais Novos, responsável pelo repasse do valor aos projetos das cidades do Rio Grande do Norte, outro ganho importante com a resolução foi a previsão de que as instituições que recebem os apenados ou egressos para trabalhar têm prioridade no recebimento dos recursos. “Isso tem sido um incentivo para a reinserção profissional dessas pessoas. Antes era muito difícil, pois quase nenhuma instituição queria recebê-los”, diz o juiz Pereira Junior, que estuda, em sua tese de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a aplicabilidade da Resolução 154.
O repasse de R$ 5 mil em verbas pecuniárias, realizado pelo juiz Pereira Junior, garantiu a realização de um projeto da Escola Municipal de Ensino Fundamental Cônego Ambrósio Silva chamado “Histórias que o povo conta”, coordenado pela professora Renilda Pereira de Medeiros com alunos do 6º ao 9º ano. Os estudantes ouviram relatos de vida dos moradores idosos da cidade, repletos de declarações valiosas para preservação e estudo da história e cultura brasileiras.
Eventos – Em outras cidades do Rio Grande do Norte – como nos municípios de Currais Novos, Macaíba, Nova Cruz e Apodi –, as varas de execução penal têm destinado a verba arrecadada com a aplicação das penas pecuniárias a eventos culturais e esportivos. Ano passado, foi realizada, por exemplo, uma corrida em Nova Cruz e passeio ciclístico com grande participação da sociedade e pessoas com deficiência. Já no município de Cruzeta, foi realizado no ano passado um evento em comemoração à Semana do Folclore, com palestras sobre a obra de Câmara Cascudo e uma homenagem das bandas formadas por crianças e adolescentes, ao músico potiguar Tonheca Dantas, autor da valsa “Royal Cinema”, tocada pela BBC de Londres durante a 2ª Guerra Mundial.
De acordo com o juiz Pereira Junior, o objetivo é a realização de eventos que envolvam toda a sociedade, além de fazer que o recurso das penas pecuniárias seja empregado em ações de combate ao crime. No caso da corrida organizada na cidade de Nova Cruz, por exemplo, o lema foi “se beber, não dirija”, já que grande parte dos recursos pecuniários tem origem em infrações de trânsito. “Destinamos em 2014 R$ 11 mil para um centro de recuperação de dependentes químicos”, diz o magistrado.
Resolução 154 – A norma de 2012, que vem incentivando a destinação das penas pecuniárias para instituições sociais, foi elaborada com o objetivo de dar maior efetividade e uniformizar as prestações pecuniárias, aprimorando a qualidade da destinação destas penas.
Conforme a Resolução do CNJ, a verba pecuniária, quando não destinada à vítima ou a seus dependentes, deve ser, preferencialmente, repassada a entidade pública ou privada com finalidade social, previamente conveniada. A verba deve ser recolhida em conta judicial vinculada à unidade gestora, com movimentação apenas por meio de alvará assinado pelo juiz. Seu repasse deve priorizar entidades que mantenham, por maior tempo, número expressivo de cumpridores de prestação de serviços à comunidade ou a instituição pública. Na mesma condição estão as que atuam diretamente na execução penal, na assistência à ressocialização de condenados, na assistência a vítimas de crimes e na prevenção da criminalidade, a exemplo dos conselhos da comunidade.
Outro possível destino desses recursos, segundo a norma do CNJ, são atividades de caráter essencial à segurança pública, à educação e à saúde, desde que atendam às áreas vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora.
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNj de Notícias