A uniformização da jurisprudência e a utilização dos precedentes – decisões judiciais baseadas em casos que tramitam no Poder Judiciário e servem de parâmetro para julgamentos de ações semelhantes -, podem ajudar a conter o aumento exponencial da litigiosidade no setor aéreo, um segmento responsável por aproximadamente 80 milhões de processos em tramitação na Justiça. A litigiosidade e as alternativas de solução de conflitos foram debatidas no webinário “Setor aéreo brasileiro – judicialização desenfreada ou litigância necessária”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na segunda (29/11).
Em painéis coordenados pelo ex-conselheiro do CNJ Marcus Vinicius Jardim Rodrigues e pelo juiz auxiliar da presidência do CNJ Anderson de Paiva Gabriel, representantes da magistratura, membros do governo federal, advogados e representantes das companhias aéreas analisaram o tema e suas consequências no Judiciário.
As demandas são diversas e envolvem reivindicações de ressarcimentos por atrasos e cancelamentos de voos, bagagens extraviadas e mau atendimento por parte de companhias aéreas entre outras reclamações. Como possível solução para conter o crescimento no volume de ações já existentes e outros questionamentos na Justiça esperados para depois da pandemia, desembargadores que participaram do evento foram unânimes em indicar o uso do sistema de precedentes como ferramenta essencial, já que permite o aumento da segurança jurídica.
O desembargador Aluísio Mendes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), avaliou que, primeiramente, é necessário uniformizar a jurisprudência, de preferência por meio de precedentes qualificados, uma solução indicada também pelo juiz auxiliar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Daniel Vianna. “Obviamente, a segunda etapa – e estamos trabalho muito nisso no CNJ – é o da observância. Firmadas as teses e as interpretações, de forma global e por meio de precedentes qualificados, há que se buscar a observância dos precedentes”, disse Mendes.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Luciano Rinaldi também disse ser necessária uma jurisprudência uniforme, íntegra e coerente para “combater a loteria jurisdicional que estimula a judicialização desenfreada e tira a credibilidade do Poder Judiciário”. Uma das sugestões propostas seria considerar como pressuposto para a concessão da gratuidade de justiça a demonstração de boa-fé, o que poderia envolver a observância dos precedentes.
Fraude processual
O corregedor nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ary Raghiant Neto destacou, em sua fala, existirem 132 startups especializadas em demandas do setor aéreo sendo investigadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entre as principais infrações na conduta de advogados associados a essas startups está a compra de supostos direitos dos consumidores.
De acordo com o corregedor da OAB, essas startups combinam com grandes escritórios de advocacia que compram direitos de ressarcimento dos consumidores por valores que variam entre R$ 500 e R$ 1,5 mil para, posteriormente, lucrarem com sentenças que podem determinar ressarcimentos entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. A captação de clientes aconteceria por meio de redes sociais e todo o procedimento até o ingresso na Justiça feito via web.
Trata-se, na avaliação de Ary Raghiant Neto, de uma fraude processual praticada em nome do consumidor. “É essa a indústria que fatura o dinheiro fruto do acordo de condenação judicial. Esse dinheiro, que não chega ao consumidor nem ao advogado, acaba concentrado em alguns grandes escritórios de advocacia.”
O tema é complexo e envolve, conforme o corregedor da OAB, a necessidade de assegurar os direitos dos consumidores, mas, também, de combate a uma litigiosidade que está sendo fomentada por startups com atuação oportunista. Participaram dos debates também a presidente da Comissão de Direito Aeronáutico OAB-DF, Thaís Strozzi, a advogada representante da Associação Latinoamericana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), Valéria Curi, o diretor jurídico da Latam Airlines Brasil, Bruno Bartjotto, e o advogado representante da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), Ricardo Bernardi.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
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