A importância da utilização de linguagem simples nas audiências de instrução e julgamento de questões relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência (PcDs) recebeu destaque nos debates ocorridos no I Encontro Nacional do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial, na tarde desta quinta-feira (20/9).
“Eu já estava me sentindo ansiosa antes de começar a audiência, e o juiz não usou linguagem simples. Pedi para que repetisse as perguntas, ele foi educado e me senti respeitada porque concordou. Então passei a me sentir segura”, relatou a fotógrafa de 32 anos Jéssica Mendes de Figueiredo, que tem Síndrome de Down. Ela contou sua experiência na mesa sobre o tema “Tomada de Decisão Apoiada (TDA): a possibilidade de fazer as próprias escolhas”, em painel mediado pelo presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Hebert Batista Alves.
A fotógrafa contou que a sentença foi favorável à petição dela, determinando a adoção do modelo de TDA, instrumento de proteção jurídica criado por lei para assegurar às pessoas com deficiência maior segurança e autonomia com o apoio que for necessário para a prática de determinados atos de sua vida civil. Jéssica teve êxito ao escolher compartilhar com os pais, Guilherme e Ana Cláudia de Figueiredo, somente as grandes decisões relativas à saúde, como cirurgias, a questões patrimoniais e a negócios envolvendo mais de dois salários mínimos.
Pacto pela Linguagem Simples
O uso da linguagem simples pelo Poder Judiciário é prioridade da gestão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso. Esse compromisso está consolidado no Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, lançado em dezembro de 2023 e ratificado por todos os tribunais brasileiros desde então.
De acordo com a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Katia Roncado, as barreiras atitudinais — a exemplo das verificadas no campo da comunicação e da informação — são as que mais prejudicam o acesso à Justiça pelas pessoas com deficiência. “Nós, juízes e servidores, somos a grande barreira. Precisamos começar uma mudança a partir de cada um”, afirmou ela. A observação tem base em dados de estudo empírico das demandas envolvendo PcDs, segundo o qual, na percepção de mais de 60% dos entrevistados, juízes ou juízas, advogados ou advogadas e servidores ou servidoras não estão prontos para atendê-los.
Ao moderar o painel “Novo paradigma da capacidade jurídica: avanços, desafios e perspectivas”, o juiz Flávio Henrique de Melo também ressaltou o desafio que as pessoas com deficiência enfrentam dentro do próprio Judiciário para conseguir exercer suas capacidades jurídicas. “Muitas vezes ainda se questiona o óbvio em relação à capacidade das pessoas com deficiência”, lamentou.
“Eu quero falar sobre a importância da minha voz, a importância da voz da pessoa com deficiência. Como desenvolvemos materiais acessíveis e criamos leis para pessoas com deficiência sem ouvir essas pessoas?”, questionou Ronie Vitorino Pires de Novais. Ele integra o Instituto Jô Clemente, que capacita pessoas com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista e doenças raras para alcançarem autonomia e participação social.
A fim de tornar o conteúdo mais acessível, ele usou a linguagem simples durante a apresentação. “Ver os autodefensores, como eu, que também já passei por lá, falando: ‘Eu tenho autonomia, eu tenho direitos, eu sei a minha importância para a sociedade e agora eu vou reeducar a sociedade’, é muito importante”, disse.
Capacidade jurídica
A advogada e professora titular da Universidade de Fortaleza Joyceane Menezes criticou a visão tradicional de incapacidade jurídica, baseada em critérios que não refletem a realidade das pessoas com deficiência. “Capacidade mental não é igual a capacidade civil. A sociedade deve integrar e oferecer meios para que a pessoa possa exercer de modo adequado sua cidadania”, explicou.
Já o diretor da Escola Superior de Magistratura do Ceará, desembargador Luciano Lima, reforçou a necessidade de avançar na implementação da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema e no aprimoramento da própria legislação brasileira e ressaltou a importância da tomada de decisão apoiada, prevista na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), como um caminho para garantir a autonomia das pessoas com deficiência. “A implantação integral da Convenção será um marco civilizatório, a partir do qual todas as pessoas, independentemente de suas deficiências, poderão exercer plenamente sua capacidade jurídica e participar da vida em sociedade de forma igualitária, digna e autônoma”, concluiu.
Encontro nacional
Em sua primeira edição, o I Encontro Nacional do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial tem o objetivo de fortalecer o diálogo, promover boas práticas e criar diretrizes que assegurem a inclusão e a acessibilidade no sistema judicial brasileiro.
O encontro reúne especialistas, autoridades, profissionais do Direito e defensores dos direitos das pessoas com deficiência para debater temas fundamentais, como acessibilidade nos tribunais, adaptações de processos judiciais e políticas públicas inclusivas.
A transmissão dos debates está disponível no canal do CNJ no YouTube, inclusive com mecanismos de acessibilidade como tradução em libras e transcrição simultânea, além da autodescrição dos palestrantes antes de suas falas.
Texto: Mariana Mainenti e Maria Paula Meira
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias