Atendimentos feitos em audiências de custódia têm ajudado no enfrentamento do vício em drogas em Mato Grosso (MT). Um em cada cinco presos em flagrante no estado (21,3%) é indicado para tratamento de dependência química, em álcool ou em drogas, orientação mais comum entre os custodiados, segundo dados do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (TJMT).
Os dados levam em conta as 2.530 audiências de custódia realizadas no estado entre os dias 24 de julho de 2015 e 31 de maio. Nelas, ao menos 1.127 acusados (44,5%) foram indicados para auxílio assistencial, o que coloca a corte entre as três com maior percentual no país. Em cerca de metade das indicações (541 casos), os custodiados foram encaminhados para tratamento de dependência química. Em seguida, estão cursos de qualificação profissional, encaminhamento ao mercado de trabalho ou matrícula em escola (442), tratamentos de saúde (83) e outras medidas (61).
O encaminhamento social de custodiados está previsto na Resolução n. 213/2015 do CNJ, que regulamentou as audiências de custódia em todo o país. As audiências são a principal política criminal da atual gestão do CNJ, com o objetivo de assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão, por meio de apreciação mais adequada e apropriada da prisão antecipada pelas agências de segurança pública do Estado.
Triagem social — Para oferecer o encaminhamento social adequado, dez servidores da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso (Sejudh) examinam a situação física e mental dos acusados: três técnicos de enfermagem, três assistentes sociais e quatro psicólogos. Os profissionais trabalham sete dias por semana, em escala. Outros 18 cuidam da gestão e da segurança das sessões.
Na conversa, realizada antes da audiência de custódia, o detido relata o caso, a abordagem e qual acusação sofre. Os psicólogos colhem dados como nível de escolaridade, histórico de vida e estrutura familiar. A partir da escuta, repassam necessidades assistenciais identificadas ao juiz da audiência de custódia. Os profissionais da Secretaria também acompanham as audiências, para eventuais esclarecimentos.
“Não temos informações prévias sobre o crime que ele cometeu para evitar que sejamos contaminados. É diferente de uma delegacia”, conta Eliane Montanha, psicóloga da Sejudh. A equipe também verifica registros criminais do suspeito, bem como se ele já passou por audiência de custódia anteriormente.
Assistentes sociais também conduzem a triagem. Em conversa, resgatam o histórico de atendimento do suspeito no acesso a políticas públicas diversas para produzir um parecer. Com essas informações, direcionam o custodiado à rede dedicada e o orientam sobre procedimentos para acesso a programas sociais, se for o caso.
A orientação pode ser feita para acusados que seguirão presos e para os que responderão em liberdade. Mesmo nos casos de prisão convertida em preventiva, o trato de dependência química é um dos destinos mais comuns, segundo Eliane. “Encaminhamos para avaliação do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que define se e por quanto tempo o tratamento é necessário”, descreve.
Segundo a profissional, ainda que acusados continuem detidos, a triagem traz benefícios. Exames médicos previnem, por exemplo, o contágio de doenças como tuberculose nos presídios. “E muitos podem ter problemas anteriores na própria penitenciária, que podemos evitar”, relata.
Pesquisa — Avaliar os resultados práticos, na vida dos custodiados, nas audiências de custódia realizadas pelo Poder Judiciário de Mato Grosso é objeto de pesquisa acadêmica. O trabalho, com foco nas audiências de custódias desenvolvidas na 11ª Vara Criminal — Justiça Militar e Audiência de Custódia (Jumac), será realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pela Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh).
Para o juiz titular da 11ª Vara Criminal, Marcos Faleiros, os dados vão ajudar a mensurar os resultados do trabalho de reinserção social e a definir políticas públicas de prevenção. “Queremos saber se os custodiados estão de fato cumprindo as decisões e qual impacto está tendo na vida deles e da sociedade”. Segundo ele, serão disponibilizados dados dos acusados aos pesquisadores, para que realizem análise multidisciplinar, que inclua a parte sociológica, psicológica e antropológica, indo além da análise jurídica.
Como amostra, foram coletados casos em fevereiro, março e abril deste ano para serem monitorados, sob supervisão do professor doutor do Departamento de Antropologia da UFMT e pesquisador responsável pela pesquisa, Clark Mangabeira. “Será um estudo de médio a longo prazo. A ideia é saber se o cidadão que sai daqui com um encaminhamento tem acesso a ele lá fora. De uma forma geral, acredito que a parceria entre as instituições é muito positiva, pois uma subsidia a outra”, afirma Mangabeira. A pesquisa terá dois momentos — um quantitativo e outro qualitativo — que serão feitos, respectivamente, por meio de ligações telefônicas e pesquisa de campo.
A secretaria vai expor todos os encaminhamentos feitos em 2015 para verificar a efetividade das medidas, segundo Eliane Montanha, que coordena a pesquisa na pasta. Dados prévios começam a delinear a análise. De 35 indicados aos Centro de Atenção Psicossocial (Caps), dez não compareceram. “Muitos não acreditam no serviço público para oferecer o tratamento. A autoestima é abalada com a dependência química e a abstinência pode piorar a resistência”, explica Elaine. Entre 32 encaminhados para vagas de trabalho, 23 foram inseridos e nove esperam vaga. “Parte deles prefere se tornar autônomo, mas a maioria está trabalhando, até por ser determinação judicial.”
Isaías Monteiro
Agência CNJ de Notícias com informações do TJMT