Representantes do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF) do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), estiveram reunidos, na última semana, com integrantes da sociedade civil, para ouvir demandas de parentes de presos e lideranças indígenas nos municípios de Feijó e Tarauacá. A agenda de trabalho também incluiu a realização das inspeções anuais promovidas pelo GMF nas unidades destinadas ao cumprimento de penas de privação de liberdade e internações por medidas socioeducativas.
De acordo com a Resolução CNJ n. 214/2015, compete aos GMFs fiscalizar e monitorar as condições de cumprimento de pena, de medida de segurança e de prisão provisória e supervisionar o preenchimento do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP), com a adoção das providências necessárias para observância das disposições legais aplicáveis e para assegurar que o número de pessoas presas não exceda a capacidade de ocupação dos estabelecimentos.
Cabe ainda ao GMF fiscalizar e monitorar a condição de cumprimento de medidas socioeducativas por adolescentes autores de ato infracional e supervisionar o preenchimento do Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades e Programas Socioeducativos (CNIUPS), com a adoção das providências necessárias para observância das disposições legais aplicáveis e para assegurar que o número de adolescentes não exceda a capacidade de ocupação dos Centros Socioeducativos.
Tortura
Entre as atribuições do GMF, estão ainda receber, processar e encaminhar reclamações relativas a irregularidades no sistema de justiça criminal e no sistema de justiça juvenil, com a adoção de rotina interna de processamento e resolução, principalmente das informações de práticas de tortura, maus-tratos ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Na reunião com familiares das pessoas privadas de liberdade, que contou com o apoio do programa Fazendo Justiça, foram repassados relatos sobre ausência de exame de sanidade mental solicitado há mais de um ano, falta de tratamento e medicação adequada para detento com deficiência mental, demoras na realização das audiências de justificação, não realização de audiência de custódia, entre outros.
Já no encontro com lideranças indígenas dos povos Huni Kui e Shanenawa, a preocupação foi com o tráfico de drogas e a atuação de organizações criminosas nas aldeias do Vale do Juruá. Os representantes indígenas destacaram a necessidade de proteger seus líderes no processo de monitoramento de indígenas autores de crimes na região.
Ainda foi esclarecido o procedimento definido pela Resolução CNJ n. 287/2019, que estabelece as formas de tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, com a observância da cultura própria dos povos tradicionais no processo de responsabilização penal.
Inspeção
Uma das unidades que recebeu a inspeção foi o Instituto Socioeducativo do Estado do Acre, em Feijó. Nela, foram checadas as condições de alojamento dos internos, fornecimento de material de higiene, documentação civil, acesso a atividades laborais, educativas e culturais. Magistrados conversaram com todos os 16 adolescentes que atualmente cumprem medidas de internação definitiva no local, ouvindo queixas e reclamações dos internos. A capacidade do Centro Socioeducativo de Feijó é de 32 vagas. A taxa de ocupação atual é de 50%.
A juíza Andréa Brito destacou que as mudanças verificadas na unidade, desde a última inspeção, foram bastante positivas para o processo de ressocialização dos adolescentes em situação de conflito com a lei no Acre. A magistrada assinalou o bom papel desempenhado pela direção do Instituto Socioeducativo do Estado do Acre e também do Juízo da Vara Cível de Feijó, que promoveu esforços realizando audiências concentradas.
Os julgamentos atenderam à Recomendação CNJ n. 98/2021, que indicou aos Tribunais e autoridades judiciais a adoção de diretrizes e procedimentos para realização de audiências concentradas para reavaliar as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade em todo país. “São todas as instituições sendo fortalecidas por esse desejo de ressocializar, de realmente fazer a transformação – e não existe essa possibilidade, no sistema de privação de liberdades com superlotação. Há cinco anos era impossível pensar em todos esses avanços no (sistema) Socioeducativo”, explicou Andréa Brito.
Em Tarauacá, a inspeção teve início pelo Presídio Moacir Prado, no qual foi verificada situação de superlotação em várias celas. Em uma delas, 22 presos se amontoavam em uma cela com capacidade para apenas oito detentos. Segundo dados preliminares do GMF, há, no Presídio Moacir Prado, 638 detentos cumprindo penas no regime fechado, a maioria por tráfico de drogas ou delitos relacionados ao tráfico. Desse total, 329 são presos provisórios. A unidade tem capacidade para até 280 detentos. A taxa de ocupação é de 225%, número que evidencia o tamanho do problema da superpopulação nos estabelecimentos prisionais.
Já na Unidade Penitenciária Feminina de Tarauacá, foi registrada situação mais confortável, com a presença de 23 mulheres encarceradas, sendo que destas 13 são provisórias. A capacidade da unidade é de 36 vagas, o que mostra uma taxa de ocupação de 63,8%. Aguarda-se agora a divulgação do relatório oficial da nova vistoria, que deverá proporcionar um retrato mais detalhado da evolução da unidade prisional, por comparação e análise dos dados.
Os procedimentos de inspeções anuais do GMF atendem às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir a cidadania e direitos fundamentais dos detentos, atendendo à política de desencarceramento do STF e a aplicação das alternativas penais, mais eficazes e baratas, que fundamentam as bases da Justiça Restaurativa.
O termo Estado de Coisas Inconstitucional foi criado pela Corte Constitucional da Colômbia e é declarado nos momentos em que o Tribunal se depara com uma situação de “violação massiva e generalizada” de direitos fundamentais, afetando um grande número de pessoas. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da medida cautelar na ADPF 347/DF, que trata sobre as condições desumanas do sistema carcerário brasileiro, incorporou o instituto ao ordenamento jurídico do país.
Fonte: TJAC