O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) aprovou, na última quinta-feira (13/3), uma medida que estabelece fluxo de atendimento a ser adotado por magistrados e magistradas e servidores e servidoras do Poder Judiciário em casos de tortura contra adolescentes no sistema socioeducativo. A Resolução n. 5/2025, elaborada pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF/CE), é aprovada a pouco mais de um mês do lançamento da Pesquisa “Caminhos da Tortura na Justiça Juvenil Brasileira: o Papel do Poder Judiciário”, coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O documento é pioneiro no Brasil e tem como objetivo estabelecer um fluxo para atuação de magistrados e magistradas e servidores e servidoras diante de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes contra adolescentes acusados de atos infracionais, no atendimento inicial e na execução da medida socioeducativa. Esta iniciativa está indo na direção do que a Pesquisa do CNJ apontou como objetivo, que é elaborar mecanismos que fortaleçam o combate à tortura de jovens no país.
“Sabemos que a adolescência é uma fase peculiar de desenvolvimento e que temos o dever de proteger. A tortura e a violência cometida contra esse público aguça ainda mais a nossa preocupação como Poder Judiciário, porque a tortura é uma violação grave de direitos humanos, trazendo marcas indeléveis e profundas. Isso pode representar um impacto para toda a vida de um adolescente, afetando a saúde física e psicológica, mas também o seu desenvolvimento físico e emocional, podendo prejudicar a sua sociabilidade e a maneira de se relacionar com o mundo e com sua própria vida”, explica o supervisor do GMF, desembargador Henrique Jorge Holanda Silveira.
Realizada pelo Comitê de Combate e Prevenção à Violência, da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), a pesquisa “Vidas por um Fio” revelou que a tortura e os maus-tratos contra adolescentes que passaram pelo Sistema Socioeducativo são ainda muito presentes. Na soma das violências elencadas, 74,2% dos adolescentes foram vítimas de algum tipo de violência durante o cumprimento da medida.
De acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alece, deputado Renato Roseno, que coordena o trabalho realizado pelo comitê, “Essa é uma importantíssima resolução para a efetivação de direitos. Sabemos que em todo o mundo os ambientes de privação de liberdade criam situações que, por ação ou omissão, são torturas. Por isso, há protocolos internacionais que preveem fluxos da denúncia, atendimento à apuração. Saudamos a iniciativa do TJ, que vem contribuindo com o fortalecimento institucional do sistema socioeducativo. A nossa aposta na socioeducação é abrir portas para que o adolescente refaça sua trajetória de vida, se afastando de rotinas de violência. Somente conseguiremos isso respeitando seus direitos e promovendo com ele um novo laço social.”
Processo participação
A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) também participou da construção do documento. À frente da unidade, o superintendente Roberto Bassan destacou a atuação do GMF no trabalho desenvolvido. “Tivemos a oportunidade de participar ativamente dessa construção coletiva, buscando contribuir tecnicamente nesse esforço conjunto para garantir a transparência, primazia à proteção e ao combate à tortura e maus-tratos a adolescentes e jovens e a devida responsabilização de envolvidos. Esse movimento é imprescindível para assegurar direitos e promover uma socioeducação efetiva, sem jamais abrir mão da prevenção e do respeito à dignidade humana”, pontuou.
O fluxo
O fluxo prevê medidas a serem adotadas em ocorrências de tortura e maus-tratos que envolvam adolescentes acusados de ato infracional, desde a abordagem policial até situações no interior das Unidades de Atendimento Socioeducativas. A resolução orienta ainda procedimentos e fluxos para as audiências de apresentação, para as inspeções judiciais e para as audiências de avaliação das medidas socioeducativas, de modo a garantir medidas que promovam a proteção, a responsabilização e a reabilitação das vítimas nos casos com evidências de tortura ou maus-tratos.
Para consolidar a instrução, que entra em vigor imediatamente após a publicação, serão realizadas formações para magistrados e magistradas e servidores e servidoras, que vão apresentar a legislação que fundamenta a normativa, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e a Lei Federal n. 13.431/2017 (de Atendimento às Vítimas de Violência), além das normativas internacionais, descrição dos fluxos, do mapeamento da rede do Sistema de Garantias de Direitos e dos órgãos que devem ser acionados nos casos de tortura
Fazendo Justiça
A preocupação deste cenário de violações é partilhada pelo CNJ por meio do Programa Fazendo Justiça que, em março de 2024, se comprometeu a contribuir ativamente na construção deste mecanismo que visa coibir casos de tortura contra adolescentes em nosso estado.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Edinaldo César, falou sobre o empenho em buscar soluções para enfrentar a tortura no Sistema Socioeducativo brasileiro. “A pesquisa recém lançada pelo CNJ tornou ainda mais evidente o contexto de graves violações pelas quais adolescentes passam no sistema. Além disso, demonstrou a inexistência de fluxos e/ou mecanismos eficazes para prevenir e combater a tortura, que tem como principais vítimas adolescentes do gênero masculino, negros e periféricos. Esta resolução do TJCE, que tem como um dos fundamentos a Resolução n. 414/2021 do CNJ, representa um importante marco para deflagrar uma maior atenção do Judiciário para o atendimento dos adolescentes, desde a porta de entrada e na execução da medida socioeducativa. Esta é uma ação que põe o Judiciário em movimento para o enfrentamento do racismo institucional no Ceará.”
Também fizeram parte do grupo de trabalho para construção do fluxo de prevenção à tortura no Sistema Socioeducativo do Ceará órgãos dos poderes Executivo e Legislativo, instituições do Sistema de Justiça e organizações da sociedade civil.