Defesa dos direitos humanos, preservação do meio ambiente, enfrentamento à violência, redução de desigualdades e adoção de protocolos no atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade são algumas das boas práticas associadas à Agenda 2030 em curso nos tribunais dos países ibero-americanos. O panorama dessas ações foi apresentado na última quarta-feira (2/6) no 3º Encontro Ibero-Americano Agenda 2030 no Poder Judiciário, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Autoridades nacionais e estrangeiras participaram dos painéis sobre medidas para o cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
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O embaixador Ronaldo Costa Filho apresentou uma breve contextualização da Agenda 2030. Segundo ele, que é o representante permanente do Brasil junto à ONU, trata-se de uma ambiciosa agenda negociada pelos Estados-membros das Nações Unidas em 2015 indicando o que precisa ser feito para que todas as sociedades se desenvolvam de forma sustentável. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são compostos por 169 metas e 231 indicadores de monitoramento das ações. “A Agenda 2030 pode orientar a formulação de políticas públicas nacionais e é a base sobre a qual opera todo o sistema das Nações Unidas em linha com o que acordaram com os Estados-membros”, disse. “Não é um instrumento juridicamente vinculante, mas se trata de um elevado compromisso político.”
Na República Dominicana, as experiências para a proteção ambiental e medidas para o fortalecimento do Estado de Direito foram alguns dos aspectos salientados pelo presidente do Tribunal Constitucional, Milton Ray Guevara. Ele citou o exemplo de um litígio envolvendo a atividade de mineração para exportação em uma área de parque ecológico. O Tribunal Constitucional do país confirmou a sentença de um juiz de primeira instância vetando a exploração de jazidas minerais na área.
Em outra decisão do tribunal, foi revogada a autorização anterior do Ministério do Meio Ambiente para o funcionamento de uma indústria de processamento de madeira em determinada região do país, num caso em que fico provada a ameaça de danos para a fauna e flora da região em que indústria iria atuar. “Trabalhamos dia a dia contribuindo com as causas da Agenda 2030. Queremos enfatizar que o Tribunal Constitucional encontra-se plenamente comprometido com o Estado de Direito e a igualdade de acesso à justiça para todos, com o ODS 16, a garantia do acesso público à informação e proteção das liberdades fundamentais”, disse Milton Ray Guevara.
Justiça humanizada
Em linha com os preceitos da agenda global, o Poder Judiciário da Costa Rica tem implementado ações vinculadas ao ODS 16 da Agenda 2030 sobre Paz, Justiça e Instituições Sólidas. O presidente da Corte Suprema de Justiça do país, Fernando Cruz Castro, elencou algumas ações como a prática de uma Justiça baseada nos princípios da transparência, participação e colaboração, medidas de combate à fraude e corrupção, ações para mitigação de impactos ambientais nos segmentos de energia elétrica e gerenciamento de resíduos. “Temos uma Justiça com rosto humano. A Agenda 2030 e os ODS não nos são alheios.”
No Equador, algumas das práticas associadas à Agenda 2030 são, conforme expôs a presidente do Conselho da Magistratura do Equador, Maria Del Carmen Maldonado, o enfrentamento à violência em geral e contra a mulher, o combate à corrupção em específico e a independência da Justiça. Assim como outros representantes do Judiciário de outros países, ela reforçou a importância dos ODS citando especificamente o ODS 16. “O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 16 fala de paz, de justiça e de instituições sólidas. Trabalhemos dessa forma para construir essas instituições sólidas que nos possibilitem uma prestação de serviço adequado e, com ele, a tão adequada paz. Nós, como um Conselho da Magistratura, continuaremos no Equador cumprindo com o nosso slogan: construindo um serviço de justiça para a paz social.”
Na experiência de Portugal, a desembargadora e coordenadora da Cúpula Judicial Ibero-Americana, Paula Pott, também abordou o ODS 16, sobre paz, justiça e instituições sólidas, e o ODS 10, sobre redução das desigualdades. A desembargadora disse que o liberalismo promoveu um estatuto de igualdade quanto a raça, gênero, orientação sexual e de oportunidades, mas tem, por outro lado, sido tolerante com o aumento das desigualdades entre ricos e pobres. “Escolhi a proteção dos consumidores devido à frequência, à posição mais fraca no contrato e que foi acentuada na crise econômica de 2008 e agora na pandemia.”
Ela apresentou ações para a proteção dos consumidores postas em prática pelos tribunais portugueses em mecanismos de cooperação com o Tribunal de Justiça da União Europeia, com interpretação vinculante a todos os tribunais nacionais dos estados-membros. As ações têm sido realizadas em três frentes de judicialização: execuções hipotecárias; contratos de crédito ao consumo; e procedimentos para satisfazer demandas pecuniárias não impugnadas. “Reforço o papel dos tribunais nacionais e a diminuição efetiva das desigualdades entre as partes por meio da judicialização progressiva de certos direitos econômicos e, desse ponto de vista, o papel dos tribunais se torna mais importante em relação ao ODS 17 (parcerias e meios de implementação).”
Espanha
O representante na cúpula do Poder Judiciário do Reino da Espanha, Juan Moya, falou sobre “As 100 Regras de Brasília” e seu alinhamento à Agenda 2030. Firmado em 2008, o acordo estabeleceu políticas e medidas a serem seguidas pelos sistemas de justiça dos países iberoamericanos para reconhecer direitos humanos e garantir o acesso efetivo os serviços de justiça das pessoas em situação de vulnerabilidade. “A tutela judicial efetiva é transversal a todos os direitos contidos nos 17 ODS. O desenvolvimento sustentável é uma constante e um marco da cúpula judicial ibero-americana”, disse Juan Moya, que também é o coordenador da Comissão de Acompanhamento das “100 Regras de Brasília” pela Cúpula Judicial Ibero-Americana.
Ele explicou que as “As 100 Regras de Brasília” possuem um catálogo de protocolos no atendimento judicial a pessoas em situações de vulnerabilidade, citando casos envolvendo crianças, jovens, mulheres vítimas de violência e famílias em situações de despejo. “Os protocolos nestes casos devem contemplar a perspectiva de vulnerabilidade e devem ser aplicados quando ajuizamos qualquer outro tema. O operador da justiça deve ter uma atuação vigilante e pró-ativa para remover as dificuldades para que as pessoas vulneráveis acessem a Justiça.”
Participaram do painel também os conselheiros do CNJ Maria Tereza Uille, Flávia Pessoa e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, em um debate que contou com mais de 1,5 mil pessoas inscritas e mais de 4 mil visualizações.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
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