O trabalho em rede interinstitucional é primordial para dar à população em situação de rua acesso à Justiça, à cidadania e à assistência social. Especialmente no momento atual, em que há um acirramento da pobreza, as iniciativas de implantação da Política Nacional de Atenção a Pessoas em Situação de Rua são fundamentais para cuidar de uma população crescente no Brasil.
Para a juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) Luciana Ortiz, membro do Comitê Nacional PopRuaJud do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa é uma política diferenciada para dar acesso a uma população que, historicamente, tem seus direitos negados. A partir da iniciativa dos tribunais, o trabalho em rede pode alcançar o objetivo de “oferecer cidadania, reintegrar os indivíduos ao mercado de trabalho e ajuda-los a reorganizar a vida”.
Durante reunião do Comitê Nacional nessa sexta-feira (26/8), representantes de tribunais – magistrados e servidores – destacaram a importância de os órgãos implantarem seus respectivos Comitês locais, como recomendado pela Política, a fim de organizar planos de ação, estabelecer contatos com a rede assistencial e promover os mutirões PopRuaJud. “A resolução sugere que os tribunais criem comitês interinstitucionais, multiníveis e multisetoriais, com todos os segmentos de justiça. Isso é importante para que a rede seja capaz de criar fluxos, ações e projetos que atendam às necessidades multifatoriais das pessoas em situação de rua”, explicou Luciana Ortiz.
O conselheiro do CNJ e coordenador do Comitê Nacional PopRuaJud, Mario Maia, está visitando os tribunais para divulgar a Política e articular a criação das unidades locais. Na última semana, ele esteve em Mato Grosso do Sul. Já há reuniões agendadas também no Acre, Bahia e Rio Grande do Sul. A ideia é que a composição multisetorial do colegiado possa derrubar a visão estigmatizada e preconceituosa que há sobre a população em situação de rua e, desta forma, operacionalizar as ações de forma permanente.
Há uma proposta na Escola Nacional da Magistratura (Enfam) para oferecer um curso de Formação de Formadores, que tem como objetivo formar magistrados e servidores para replicarem o conhecimento sobre a política judiciária de atenção à população de rua nos seus tribunais. Luciana Ortiz informou que também há um contato com as escolas de magistrados para dar início aos cursos. “Sem prejuízo dessas iniciativas, temos promovidos webinares para tratar dos assuntos mais emblemáticos e de maior interesse.”
Mutirões
Na reunião, foram apresentados os resultados dos mutirões PopRuaJud realizados neste ano em São Paulo (SP) e no Rio de Janeiro (RJ). De acordo com os participantes, é preciso identificar parceiros na área de assistência social, cidadania e Sistema de Justiça, pelo menos. Não se consegue confiança no projeto, a menos que seja realizado em rede, para também realizar os atendimentos com aspecto socioeconômicos.
Na capital paulista, dados do censo local apontam que há mais de 32 mil pessoas em situação de rua. No entanto, é possível que esse número seja ainda maior. “Precisamos lembrar que essa não é uma atividade de caridade. É uma obrigação institucional, que faz parte da cidadania”, reforçou Raecler Baldresca, juíza do TRF3 que participou da organização do Mutirão PopRuaJud. A ação conjunta foi realizada em maio na Praça da Sé, com o atendimento de mais de oito mil pessoas, distribuição de cerca de 10 mil marmitas e três mil kits de higiene, 450 cortes de cabelo, além da realização de testagem e vacinação.
Durante o evento, também foram feitas a emissão de documentos – especialmente identidade, título eleitoral e certidões –, cadastramento para trabalho, atendimentos pela Caixa Econômica, de advogados e defensores, entre outros, com esclarecimentos sobre benefícios previdenciários, assistenciais, auxílio emergencial e FGTS, PIS/PASEP. “É preciso ampliar o acesso aos serviços públicos de assistência social, Justiça e saúde. Mas percebemos que, se com o mutirão é difícil essa população conseguir resolver os problemas, sem ele é impossível ter esse acesso”, explicou Raecler. O 2º Mutirão PopRuaJud de São Paulo será realizado em novembro.
A juíza do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) Ana Carolina Vieira de Carvalho também comemorou os resultados positivos do Mutirão PopRuaJud na capital do Rio de Janeiro, que contou com serviços odontológicos e participação de organizações, que serviram café da manhã, e da Polícia Federal. De acordo com ela, foi possível avaliar o que funcionou e o que não deu certo na primeira iniciativa, como a entrega de kits de higiene e o banho disponibilizado. “São situações que precisamos repensar, para não deixar de oferecer o serviço, mas executar de forma melhor nas próximas edições.”
A magistrada destacou ainda como a iniciativa do tribunal agregou parceiros interessados na execução da política. “Quando começamos a preparar o mutirão, várias pessoas e instituições vão se aproximando”, ressaltando o trabalho em rede.
Também já foram realizados mutirões em Brasília e em Rondônia, onde o tribunal também contou com o apoio do Exército. Para a juíza do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) Sandra Silvestre, membro do Comitê Nacional, vale a pena incluir nos planos de ação os imigrantes e refugiados, especialmente em locais próximos à fronteira. O próximo mutirão será realizado no Maranhão, no dia 9 de setembro. Em novembro, também será realizado no Rio Grande do Norte.
Comitê Nacional
De acordo com a juíza Luciana Ortiz, o Comitê também analisa projetos de lei e leva as preocupações da rede ao Legislativo. A ideia é contribuir para a discussão legal, contemplando necessidades como a gratuidade da emissão de documentos. Destacou que o papel dos comitês é chamar a atenção para a realidade da população de rua. “Não podemos nos conformar e não ver o que está acontecendo no país, com o acirramento da pobreza, com pessoas alijadas de seus direitos e não fazer nada.”
A cada reunião, o Comitê Nacional trata de um ponto da Política Nacional. O próximo encontro está marcado para o dia 16 de setembro. “Queremos que esse espaço seja uma oportunidade para formar um movimento em rede de implementação da Política de Atenção às População em Situação de Rua, no qual ações de um Tribunal seja inspiração aos demais, para que juntos possamos construir os melhores caminhos. Uma rede que seja empática e colaborativa, levando cidadania à uma população invisibilizada”, ressaltou a juíza.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias