Testemunho de pai de vítima encerra simpósio

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No encerramento do Simpósio Internacional sobre Tráfico de Pessoas, ocorrido esta semana, em Goiânia, “seu” João José Felipe, 77 anos, pai de Simone Borges, uma das primeiras brasileiras assassinadas na Espanha pelas redes de tráfico, deu um testemunho emocionante. No evento, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especialistas apresentaram os desafios e as alternativas nas áreas da repressão, prevenção e atenção às vítimas do tráfico de pessoas no Brasil.

“Por que minha filha sofreu tanto? Todo dia nossas meninas, filhas e mães, seguem maltratadas e abandonadas no exterior; enquanto aqui recebemos as pessoas de fora tão bem! Nossas meninas são mães, são filhas, e nasceram para serem companheiras dos homens, não para serem humilhadas”, desabafou o músico, que soube da morte da filha— erroneamente atribuída a uma tuberculose – por telefone.

Até conseguir contato com autoridades brasileiras para que trouxessem o corpo da filha, foi um processo demorado. Não havia informações corretas do paradeiro de Simone. “Quase toda semana ela ligava pra mim, mas não passava seus contatos. Quando eu tentava retornar, era um número inválido”, lembra. No dia anterior à sua morte, Simone conseguiu ligar de um orelhão e pediu ao pai que comunicasse sua situação à Polícia Federal brasileira.

O pai não teve tempo. Naquele mesmo dia, Simone recebeu uma dose alta de drogas e foi deixada em uma rua de Bilbao, onde foi socorrida por pedestres. A Polícia Internacional (Interpol) avisou aos órgãos policiais brasileiros onde Simone estava internada, mas a filha de “seu” João não resistiu. O laudo médico atestou, posteriormente, que Simone recebeu uma overdose de medicamentos.    

Remédios sem controle – Doses excessivas de drogas são comuns às vítimas de tráfico, que não são acompanhadas por médicos nem têm acesso a hospitais. Segundo o psicólogo e consultor do Ministério da Saúde Mário Ângelo Silva, responsável pela pesquisa Vulnerabilidade e Saúde das Mulheres em Situação de Migração, Tráfico, Exploração Sexual e Trabalho Degradante, quando adoecem, as meninas ingerem inúmeros remédios receitados pelos traficantes.

“Tomam pílulas pra dor; evitar filhos; não menstruar; dormir; acordar. Sem contar que, para suportar o trabalho degradante, é comum tomarem drogas anestesiantes e tornarem-se alcoólatras”, diz Mário Ângelo, um dos pesquisadores da publicação brasileira que mapeou o perfil das vítimas do tráfico de pessoas e as rotas que agem no Brasil, Pestraf (Pesquisa sobre tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes). “Não raro, quando voltam, estão viciadas e doentes”, diz o especialista.

O caso de Simone – ocorrido há 17 anos – foi e continua sendo um exemplo típico de aliciamento. A família passava por uma situação financeira difícil quando ela, então com 25 anos, recebeu a proposta de trabalho que lhe pareceu o passaporte para a prosperidade. Simone era caixa de supermercado em Goiânia e aceitou trabalhar em um bar na cidade de Bilbao para juntar dinheiro. “Seu” João tem certeza de que Simone, assim como as outras moças que viajaram com ela, foram iludidas pela quadrilha com promessas de uma vida mais digna e melhores salários. Quando chegaram lá, a situação foi outra.
 
“Quando conversávamos por telefone, estava sempre chorosa, triste e dizia que não era nada daquilo que havia imaginado”, recorda “seu” João. “Naquela época, não tínhamos notícias desse crime; hoje, fico mais feliz em ver que o governo e tantos outros parceiros já estão unidos para combater esse ato vil”, disse João José.

Carta de intenções – “Traficar pessoas é um ato de desumanidade, transforma-se uma pessoa em uma equação financeira. Todos devemos nos envolver com esse tema; enquanto houver tráfico de pessoas, não dá pra ser feliz”, disse o conselheiro Ney Freitas.

Como resultado do I Simpósio Internacional, será elaborada uma carta de intenções com propostas que contribuam com o combate ao tráfico de pessoas. O texto, que deve ser concluído até a próxima segunda-feira (22/5), será encaminhado aos órgãos do Executivo, Judiciário e Legislativo. “Nela, as diversas instituições participantes do Simpósio se comprometem a desenvolver ações integradas e efetivas no enfrentamento ao tráfico”, explica o coordenador científico do Simpósio, o juiz Rinaldo Aparecido Barros, da comarca de Jaraguá.

Considerada pelas Nações Unidas como a atividade criminosa que mais cresce no mundo perdendo apenas para o tráfico de armas e de drogas, estima-se que o tráfico de pessoas envolveu cerca de 75 mil brasileiros, em sua maioria mulheres. O Estado de Goiás é um dos mais expressivos nesse ranking negativo; segundo dados das organizações não governamentais que trabalham com resgate e acolhimento às vítimas afirmam que mais de 70% são do estado de Goiás. 

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias