A segurança jurídica é a principal demanda do setor aéreo no Brasil. Apesar de a aplicação de convenções internacionais na judicialização referente a viagens internacionais prevalecer na Justiça brasileira, ainda há variação de interpretações, resultando em decisões diferentes para ações similares. Essas e outras questões foram discutidas durante painel do Webinário “O Setor Aéreo Brasileiro: Caminhos para a Redução da Litigiosidade”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta terça-feira (25/5).
Veja a cobertura completa do evento
- Cartilha do CNJ informa direitos e deveres de passageiros de empresas aéreas
- Solução alternativa de conflitos é saída para reduzir a judicialização no setor aéreo
- Respeito a decisões pacificadas reduzirá litígios no setor aéreo
- Com oito processos a cada 100 voos, especialistas discutem impacto de decisões sobre setor aéreo
Os palestrantes do terceiro painel apontaram a necessidade da uniformização não só da jurisprudência, mas também da legislação – que também conta com outros instrumentos, como normativos da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e o Código Brasileiro de Aeronáutica, além dos próprios contratos entre empresas e consumidores. Eles lembraram que a segurança jurídica é necessária para o desenvolvimento do mercado do setor aéreo, como atividade econômica, mas também para fazer valer o direito do consumidor.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Trícia Navarro explicou as diferenças entre as normas internacionais e o CDC e afirmou que a segurança jurídica pode evitar a judicialização. De acordo com ela, os tribunais superiores devem trazer as diretrizes, mas questionou se haveria espaço no ordenamento jurídico para as discussões sobre a liberdade das partes de contratar.
E, para ordenar essa discussão, é preciso pensar no sistema de forma orgânica, como defendeu o juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Azambuja. Ele disse que há um problema de litigiosidade no Brasil que gera a insegurança e limita o interesse do investimento de longo prazo no país. “É preciso reduzir o número da judicialização, sem reduzir o acesso à justiça e, para isso, os mecanismos alternativos de solução de conflitos seriam ideais”.
Para o diretor de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Pedro Aurélio, o entendimento da prevalência dos tratados internacionais não poderia ultrapassar a proteção do consumidor e da previsão constitucional do princípio da ordem econômica. Para ele, é necessário avaliar caso a caso, interpretando a questão a favor do consumidor. “Não se trata apenas da responsabilidade por comportamento abusivo da companhia aérea, mas também da situação concreta do consumidor, no caso de vulneráveis e idosos, por exemplo”.
A questão sobre a ausência de normas claras no Brasil também foi abordada pelo procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à ANAC, Gustavo Carneiro de Albuquerque. Ele ressaltou que a insegurança jurídica “opera em desfavor do consumidor” porque, uma vez que não é possível precificar o custo das operações no Brasil, devido ao alto número de judicialização, a tendência das mudanças legislativas impede que haja incremento da competitividade no setor. “Precisamos refletir sobre o impacto que a afirmação de direitos individuais pode ter sobre o mercado competitivo”. Albuquerque defendeu que alguma desregulamentação pode flexibilizar o mercado, aumentar a competitividade e isso pode resultar em preços melhores e uma aviação mais acessível.
Empresas brasileiras no exterior
Segundo o advogado e representante da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), Ricardo Bernardi, o volume crescente da judicialização do setor aéreo no Brasil não é fruto da má qualidade dos serviços prestados pelas companhias aéreas. Para ele, as empresas brasileiras são bem vistas no exterior, mas a legislação brasileira apresenta incentivos à judicialização, especialmente quando se trata da análise do dano moral – que contempla ações sobre atrasos e bagagens, entre outros -, pois depende da interpretação.
Segundo dados apresentados por Bernardi, três companhias aéreas que atuam no Brasil e nos Estados Unidos foram alvo de mais de 11 mil ações na Justiça brasileira, contra 349 na justiça americana. Isso representa uma ação para cada 1,8 voos ou 227 passageiros transportados no Brasil, contra uma ação para cada 12.685 voos ou 1.254.561 passageiros nos Estados Unidos. O advogado defendeu ainda que a tendência de democratização do setor aéreo, com a entrada de empresas de baixo custo (low cost), redução dos preços e aumento da conectividade, é benéfica para o consumidor.
Convenções
As Convenções de Varsóvia e Montreal – que têm a finalidade de unificar as normas relativas ao transporte aéreo internacional e das quais o Brasil é signatário -, têm prevalência sobre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) no tocante às viagens internacionais, conforme definiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. Este entendimento, apesar de pacificado, ainda não foi completamente adotado pela Justiça brasileira, principalmente quando se trata de definir as indenizações, especialmente nos casos de danos morais.
No CDC, em caso de prejuízo ao direito do consumidor, não existe limitação para a indenização, devendo o consumidor ser ressarcido em sua integralidade. Já as convenções internacionais instituem uma “indenização tarifada”, que é um teto máximo de ressarcimento. Além disso, há divergência quanto ao prazo de prescrição: enquanto o CDC diz que o consumidor pode entrar com a ação em até cinco anos, o tratado internacional prevê dois anos para a reclamação, entre outras questões.
Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias
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