Sensibilização e capacitação são chave para atendimento de pessoas autistas na Justiça

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5° edição do programa Propagar – Inclusão, Acessibilidade, Justiça e Cidadania - Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ
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A necessidade de capacitação dos integrantes do Sistema de Justiça para a prestação jurisdicional mais humanizada e inclusiva às pessoas com transtorno de espectro autista (TEA) é o mote do projeto “Sensibilizar para enxergar os invisíveis”, apresentado na 5° edição do programa Propagar – Inclusão, Acessibilidade, Justiça e Cidadania promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ ) na última quinta-feira (14/12).

Idealizada pela juíza do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) Larissa Camargo, a iniciativa foi inspirada no Manual de Atendimento a Pessoas com Transtorno o Espectro Autista, lançado pelo CNJ em julho deste ano. Após apurar que 87,8% dos réus, testemunhas, advogados, promotores, defensores que se relacionam com a vara que ela atua não conheciam a publicação, a magistrada deflagrou diversas atividades inclusivas e decidiu promover um trabalho que pudesse preencher essas lacunas.

Foi daí que surgiu a ideia de criar um projeto para disseminar conhecimento, capacitar, educar e sensibilizar os atores do Sistema de Justiça para uma abordagem especializada às pessoas com condições neurológicas complexas.

Amparada por atos normativos do CNJ, ela implantou em sua unidade de atuação diversas iniciativas, como, por exemplo, mandados de intimação com sistema de design thinking para melhor comunicação e a sala sensorial. Trata-se de espaço preparado para receber adequadamente crianças, adolescentes e adultos autistas envolvidos ou que tenham alguma ligação com processos, podendo ser filhos de advogados, promotores, defensores, testemunhas, partes.

Além disso, para reforçar esse atendimento mais humanizado nas unidades de Justiça, a juíza elaborou modelos de mandados, intimações e protocolos específicos direcionados para o atendimento a esse público. Outra prática importante indicada no projeto é o uso de linguagem simples, clara, explícita, direta e sem figuras de linguagem — o que facilita a comunicação com esse público. “Quanto mais direto melhor, pois o autista não compreende ironias, parábolas ou figuras de linguagem”, cita.

Cursos de capacitação sobre o conteúdo do manual do CNJ e sobre a legislação voltada à inclusão, além do compartilhamento de experiências de integrantes da Justiça quem possuem transtorno do espectro autista também integram as boas práticas no (TJRO). “À medida que essa conscientização cresce, é possível haver um acolhimento cada vez mais adequado para atender essas pessoas”, reforçou.

Combatendo o preconceito

Mãe de um filho autista de 12 anos, Larissa também pertence ao mesmo espectro neurodivergente e vê o capacitismo como uma grande barreira. Para a juíza, o capacitismo está para as pessoas com deficiência, como o racismo está para as pessoas negras, assim como o machismo está para mulheres e a xenofobia para os estrangeiros.

“A falta de compreensão sobre o autismo contribui para estereótipos, estigmas e pode levar para relutância em se discutir abertamente sobre o tema, o que resulta na falta de uma consciência pública”, afirma.

Um vídeo sobre a abordagem policial a um rapaz autista foi usado como exemplo durante a apresentação da juíza. A cena, fictícia, produzida por uma organização internacional, mostrava o despreparo dos agentes de segurança ao interpelar uma pessoa com essa condição.

Segundo a magistrada, o exemplo revela como o comportamento de uma pessoa autista pode ser mal interpretado no caso de uma abordagem policial, não apenas isso, mas para todo o Sistema de Justiça. “O autismo é uma deficiência invisível, é uma condição neurológica complexa sem evidências físicas”, ressaltou. E, por esse motivo, ressaltou a juíza, as atitudes de um autista nesse tipo de abordagem podem ser interpretadas como “desacato”, “desobediência”, “infração”, quando na verdade, os padrões comportamentais são diferentes e incompreendidos pela maioria das pessoas que não conhecem as características e universo do autista.

“Somente possuindo um olhar diferente se pode olhar para os diferentes. A difusão dessas ações positivas, implementadas pelos tribunais, ganham visibilidades com esse projeto”, declara.

Participações

A juíza auxiliar do CNJ Rebeca de Mendonça Lima, responsável pela abertura do evento, elogiou o trabalho da colega de Rondônia e reforçou que o CNJ está trabalhando para inserir essas práticas em todo o Judiciário. “Esse é um projeto que visa disseminar boas práticas nessa área em que precisamos falar muito. O CNJ, na gestão do ministro Barroso, tem por objetivo ampliar o leque de possibilidades que visem facilitar o acesso de essas pessoas ao sistema de justiça”, frisou.

Katia Roncada, juíza auxiliar e supervisora do Propagar no CNJ, também enalteceu o projeto, reconhecendo a necessidade de capacitação dos integrantes e atores do Sistema de Justiça com essa realidade.

“Nós precisamos nos capacitar cada dia mais e reconhecer as diversas realidades. Os exemplos que foram trazidos a partir do reconhecimento da falta de conhecimento do manual, e todas as medidas que Larissa vem implementando, nós podemos adotar e implementar em nossas varas”, ressaltou.

Propagar

A disseminação de boas práticas implementadas e possíveis de serem replicadas entre os órgãos do Poder Judiciário é o foco do Propagar. A iniciativa reúne representantes de tribunais para apresentar, de forma prática e didática, o passo a passo para a execução de uma ação ou projeto de sucesso.

O projeto objetiva promover ações relacionadas à inclusão, à acessibilidade e à cidadania, já implementadas pelos Tribunais e consideradas possíveis de serem replicadas por outros órgãos do Poder Judiciário.

Nas edições anteriores do evento, o CNJ já apresentou a atuação do Comitê Nacional PopRuaJud; o funcionamento da Central Judicial do Idoso, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT); o projeto Balcão Visual, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15), com sede em Campinas (SP); e o Programa Linguagem Simples, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Katia Herminia Martins Lazarano Roncada é a atual supervisora do Propagar.

Texto: Juliene Andrade
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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