Começou, na noite de segunda-feira (26/2), o seminário “Direito Fundamental ao Trabalho Decente: caminhos para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo”. O evento prosseguirá com palestras, rodas de conversa e debates até a quarta-feira (28/2), em Bento Gonçalves (RS).
Ao acolher todos e todas que participam do seminário, o diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), desembargador Fabiano Holz Beserra, destacou a importância do evento no cenário atual do trabalho no Brasil e o papel das instituições que atuam no combate ao trabalho escravo contemporâneo. “Parece que estamos enxugando gelo, mas existem progressos”, ressaltou, ao destacar os casos de empresários que o procuraram para afirmar que querem promover o trabalho decente nas suas cadeias produtivas.
No seu pronunciamento, o presidente do TRT-4, desembargador Ricardo Martins Costa, afirmou que a efetivação do trabalho decente é a própria razão de ser da Justiça do Trabalho. Isso porque, conforme o magistrado, apesar de mais recente, o conceito de trabalho decente atualiza regramentos sempre observados pelo Direito do Trabalho, como a Convenção de Versalhes, que definiu que o trabalhador não pode ser tratado como uma mercadoria ou como artigo de comércio. “O trabalho decente é o trabalho revestido de autêntica capacidade de resgatar a dignidade humana, capaz de equilibrar as desigualdades e de garantir a governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável”, declarou.
O magistrado também lembrou que, há um ano, foram resgatados trabalhadores da região de Bento Gonçalves na “indecência da escravidão”. “Aquele resgate não foi algo isolado”, lamentou Martins Costa. Ele apontou que mais de 3 mil trabalhadores foram encontrados nas mesmas condições no Brasil em 2023. “A negação mais eloquente do trabalho decente é o trabalho escravo”, frisou o presidente. “Por isso, é simbólico que esse seminário esteja sendo feito em Bento Gonçalves, para que atualizemos a nossa memória na construção da convicção de que os direitos humanos não são efetivados de uma vez para sempre, mas sim dependem e são a expressão das lutas cotidianas e contínuas”, concluiu.
Na mesma direção, o diretor do Escritório da Organização Internacional do Trabalho para o Brasil, Vinícius Carvalho Pinheiro, também afirmou que a data de um ano de ocorrência do resgate dos trabalhadores em condições análogas à escravidão em vinícolas deve servir para a construção de soluções para que aquilo não volte a ocorrer. “A OIT tem como pilar o investimento na justiça social e a Justiça do Trabalho é a casa dessa justiça social. Porque sem justiça social não há paz sustentável em nenhum lugar do mundo”, destacou.
Segundo o subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho, André Luis Spies, o trabalho escravo só traz sofrimento às vítimas e à sociedade. “É papel das instituições fazer cumprir os ditames da Constituição, o que é difícil isoladamente, mas é possível quando se age coletivamente”, afirmou. “O Grupo Móvel da Fiscalização do Trabalho é uma política muito eficiente, mas não basta resgatar, é preciso garantir qualificação, uma renda mínima, resgatar também a cidadania dessas pessoas”, avaliou.
Da mesma forma, o coordenador geral da Fiscalização do Trabalho e da Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego, André Esposito Roston, ressaltou que a inspeção do Trabalho atua em conjunto com as demais instituições no resgate de trabalhadores. “Ao longo de 30 anos, foram resgatados mais ou menos 65 mil pessoas”, informou. “Foram R$ 144 milhões pagos em verbas trabalhistas a essas pessoas. Apenas no ano passado, foram R$ 13 milhões”, reforçou. “Hoje sabemos que é um fenômeno que está em todas as regiões do país, no trabalho rural, no trabalho urbano, no trabalho doméstico, na exploração sexual”, citou. “O trabalho escravo não é uma manifestação do passado que retorna, é a precarização do trabalho que convive conosco o tempo todo, nos nossos dias”, finalizou.
A diretora em exercício da Enamat, ministra do TST Delaíde Alves Miranda Arantes, observou a movimentação recente de diversas instituições com iniciativas de combate ao trabalho escravo, tais como a Organização Internacional do Trabalho e a Organização das Nações Unidas. “Esse evento soma-se a esse esforço. Que possamos tirar daqui lições para efetivação do trabalho decente, uma política adotada pela OIT desde 1999 e instituída no Brasil desde 2003”, exortou.
Precarização estrutural
Em sua manifestação, o presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, fez um resgate histórico sobre o trabalho escravo no Brasil. Segundo o magistrado, o período de escravidão instituída no Brasil deixou marcas que até hoje sobrevivem. “Muitas fortunas atuais têm origem na escravidão”, apontou. “O tráfico de seres humanos para o Brasil perdurou mesmo quando a comunidade internacional já havia proibido a prática, pela força do poder econômico, sempre interessado, até hoje, na precarização estrutural do trabalho”, avaliou.
Conforme o ministro, em 2024, após 150 anos das ações mais significativas dos movimentos abolicionistas, ainda é preciso dizer o óbvio: que é o Estado e a sociedade que precisam intervir para que novos episódios de trabalho escravo não ocorram. “O exemplo que ocorreu nessa localidade há um ano vai nesse sentido: foram agentes do Estado que resgataram as pessoas”, enfatizou. “Após essa ação, aumentou 240% o nível de regularidade no trabalho da região”, exemplificou.
Participações
Também participaram da mesa de abertura: o presidente do Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, desembargador Alberto Delgado Neto, o diretor da Escola Judicial do TRF-4, desembargador Rogério Favreto, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados do trabalho (Anamatra), juíza Luciana Paula Conforti, e a coordenadora da Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (Conatrae) e representante do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Andréia Figueira Minduca.
Realização
O seminário “Direito fundamental ao trabalho decente: Caminhos para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo” é uma realização conjunta da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (EJud4), da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT); do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, que se reúne nesta terça-feira (27/2) durante o evento.
Ele também conta com o apoio da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (AMATRA IV); da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA); da Escola de Magistrados e Servidores do TRF da 4ª Região (EMAGIS), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho do RS (MPT/RS).