A igualdade de gênero deve ser perseguida pelos órgãos de justiça por meio de medidas concretas. Essa premissa guiou os pronunciamentos das autoridades do Judiciário na abertura do seminário “A participação feminina nos concursos para a magistratura”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quarta-feira (19/8) e transmitido por meio virtual. A abertura foi feita pela conselheira Ivana Farina, coordenadora do grupo de trabalho instituído pela Portaria CNJ nº 44/2020, destinado a avaliar mecanismos para a maior participação de mulheres nos processos seletivos da magistratura.
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“Nossa abordagem é por um sistema de justiça mais aberto, mais democrático, mais igualitário, em que a diversidade seja aqui também representada, já que a sociedade para a qual atuamos é plural e tem a diversidade como realidade”, disse. Para ela, quando a perspectiva de gênero é contemplada em bancas examinadoras e em comissões de concurso, o sistema de justiça passa a recepcionar essa diversidade e agir mais vigorosamente por uma sociedade mais justa e igualitária.
O grupo de trabalho do CNJ que trata da participação feminina em concursos da magistratura é composto também pelas demais conselheiras do órgão: Maria Tereza Uille Gomes, Maria Cristiana Ziouva, Flávia Pessoa, Candice Lavocat Galvão Jobim e Tânia Reckziegel – e pelos conselheiros Rubens Canuto e Luiz Fernando Tomasi Keppen. Para subsidiar ações concretas para a maior igualdade de gênero e o acesso igualitário à magistratura, o CNJ elaborou um diagnóstico sobre a participação feminina no Poder Judiciário.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, em sua fala, destacou que o tratamento igualitário entre homens e mulheres no Brasil permanece um grande desafio a ser perseguido e para o qual pressupõe-se a adoção de políticas institucionais que promovam a participação feminina nos espaços de poder e em posições de liderança.
“Incentivar a presença feminina no Judiciário, bem como o tratamento igualitário entre mulheres e homens, é uma diretriz a ser adotada pela alta administração dos tribunais”, disse. Segundo Dias Toffoli, a participação feminina no Poder Judiciário é fundamental para o fortalecimento da democracia e que os diagnósticos que estão sendo elaborados pelo CNJ irão contribuir para a formulação de políticas públicas destinadas a fazer prevalecer a equidade de gênero preconizada na Constituição Federal.
Já o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, lembrou que, quando chegou ao CNJ, a então presidente, ministra Cármen Lúcia, apresentou ao Plenário três resoluções em defesa da mulher, entre elas a de número 255, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário. “As motivações e os dados apresentados à época, que ensejaram a edição da Resolução n. 255, já apontavam o quanto o Poder Judiciário necessitava evoluir na igualdade de gênero em seu ambiente institucional, inclusive quanto à participação feminina nos concursos de ingresso na magistratura”, salientou o ministro.
O corregedor nacional disse também que, quando destaca a igualdade entre homens e mulheres, entre juízas e juízes, não se limita ao aspecto quantitativo, mas à real necessidade de se reconhecer a capacidade intelectual e a competência das mulheres e juízas.
De igual para igual
Convidada a abordar o tema da participação das mulheres no Poder Legislativo, a deputada federal Soraya Santos chamou a atenção para o fato de ser a única mulher integrante da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. “Quando vejo os operadores do direito, através do CNJ, buscar a escola da magistratura, o Ministério Público e o Parlamento e trazer, também, a União Europeia e a ONU, é compromisso claro de que não pararemos enquanto não tivermos igualdade de direitos sem fronteiras.”
A representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya, informou que o sexo feminino representa cerca de 30% de todas as juízas no mundo. Ela ressaltou que é necessário que as mulheres, no Brasil, aumentem sua participação não somente na magistratura, mas também nos cargos de alto nível do Judiciário e dos demais poderes. “No mundo, as mulheres ainda estão sub-representadas nos cargos judiciais de alto nível, incluindo nas bancadas dos supremos tribunais e em outras funções de alto nível jurídicas”, afirmou.
Anastasia Divinskaya enumerou também alguns avanços como o aumento de 24% para 38% da participação das mulheres na magistratura brasileira nos últimos anos, mas apontou outros desafios. “Temos de reconhecer que enquanto as mulheres não gozarem da plena igualdade em todos os níveis, incluindo nos tribunais superiores, o sistema judiciário não será capaz de refletir adequadamente a diversidade para as comunidades a que servem”, avaliou.
A conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Fernanda Marinela disse que o sistema de justiça deve se preocupar com a participação das mulheres. Disse, contudo, que essa não é uma busca somente do Judiciário. Marinela salientou que, na advocacia, as mulheres são mais de 50%, mas não possuem essa representatividade na OAB. Em função disso, vem sendo discutida a questão da paridade nas chapas do sistema OAB e que já se conseguiu a participação de 30% de mulheres em todas as chapas e de 39% de participação nos cargos de diretoria no sistema OAB.
“Assim como na população brasileira, nós, mulheres, já representamos mais de 50% de todo o eleitorado nacional e, na OAB, nós também representamos mais de 50% da advocacia brasileira. E isso significa dizer que nós, mulheres, que comprovadamente pelas pesquisas já estudamos mais que os homens, também pagamos as nossas contas e temos nossas responsabilidades sociais. Significa dizer que nós pagamos a metade da conta e, portanto, precisamos e temos direito de sentar na metade da mesa e acho que esse é nosso diálogo.”
Princípio da isonomia
O ministro Herman Benjamin, integrante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e presidente da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, disse haver um debate sistemático do tema pelo CNJ e que abordá-lo é tratar de uma questão que abarca a maioria. “Nós, homens, precisamos nos conscientizar, em primeiro lugar, que somos minoria. E este é ponto fundamental a ser realçado: não estamos tratando aqui de proteção de minorias. Estamos tratando de proteção da maioria e sabemos que a democracia não se faz pela regra da minoria. A minoria precisa ser protegida, mas a maioria, sobretudo em aspecto relevantíssimo como esse, não pode ser colocada por trás do princípio da isonomia”, afirmou. Para ele, as soluções passam por alterações legislativas e atuação do CNJ destinada a fazer valer a palavra normatizada para tornar efetivo o princípio da isonomia.
Já o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ibañez, citou a experiência em curso na UE de se adotar uma estratégica de atuação 2020-2025 baseada em ações concretas na busca pela igualdade de gênero em todas as esferas da sociedade europeia. Conforme expôs, na EU, essa experiência está sendo baseada em medidas para libertar mulheres da violência de assédio e em medidas para gerar oportunidades de igualdade fomentando a participação de mulheres em cargos de comando em empresas. “Promoveremos participação mais equilibrada de mulheres e homens em todos os setores de atividade para maior diversidade em locais de trabalho e combateremos o hiato digital entre homens e mulheres no quadro de atualização do plano de ação para educação digital.”
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
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