No último ano, apenas em três estados brasileiros, foram descobertas cerca de 260 pessoas vivendo em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico brasileiros por terem perdido o vínculo familiar ou pela falta de uma entidade que faça o acompanhamento social ou de saúde desses internos, segundo dados dos mutirões das medidas de segurança do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os dados foram divulgados nesta terça-feira (4/9), no auditório da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), durante o seminário sobre saúde mental promovido pelo CNJ.
O seminário Saúde Mental e Lei: os Desafios na Implementação da Lei n. 10.216 – referente à legislação que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e que redireciona o modelo assistencial em saúde mental – reuniu especialistas e autoridades para debater a aplicação da política antimanicomial no Brasil.
Na Bahia, primeiro estado visitado pelos juízes do Conselho, foram encontrados 30 pacientes com laudo de desinternação, mas aprisionados no Hospital de Custódia de Salvador. No Paraná, das 430 pessoas internadas, 108 não precisavam estar em situação asilar e, após o mutirão da Justiça, serão recolocadas em residências terapêuticas. Dos internos, 46 já voltaram para casa.
Deficiências – No Rio de Janeiro, nos três hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico existentes no estado, há 136 pacientes internados. Desses, 75 estão abrigados no Hospital Heitor Carrilho, pois não têm para onde ir. Apesar não haver superlotação, nem falta de vagas, a situação dos pacientes judiciários no Rio de Janeiro – assim como no resto do País – preocupa médicos, operadores do direito e gestores públicos. Faltam residências terapêuticas que absorvam os pacientes de longa duração e que já cumpriram medidas de segurança, assim como faltam equipes multidisciplinares que ajudem os juízes na aplicação da Lei n. 10.216.
“A verdade é que as medidas recomendadas pela Lei Antimanicomial não são aplicadas no Direito Penal”, afirmou a diretora de Pesquisa Judiciária do CNJ, Janaína Penalva da Silva.
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), juiz auxiliar da presidência Luciano Losekann, há grande desconhecimento por parte dos operadores de Direito sobre os princípios, as diretrizes e as determinações da Lei n. 10.216. “Até mesmo magistrados que lidam com processo penal e de execução penal desconhecem solenemente essa lei. E ela não é nova, é de 2001. Não ficaria surpreso se essas situações fossem denunciadas perante a Corte Interamericana”, afirmou Losekann.
Perfil – No Brasil, existem aproximadamente 4 mil pessoas internadas em 23 hospitais de custódia. Segundo o censo clínico, elaborado pela Secretaria de Administração do Sistema Carcerário do Rio de Janeiro, em 2007, o perfil dos pacientes judiciários internados é semelhante ao dos demais presos nas penitenciárias brasileiras. A maioria é formada por homens (80%), em média com 39 anos; solteiros (72%); psicóticos (61%). Em sua maior parte, foram aprisionados após cometerem homicídio (55%); 40% dessas mortes foram cometidas contra um parente de primeiro grau.
Para Janaína Penalva da Silva, é preciso que a Lei n. 10.216 seja respeitada e cumprida. “É preciso abraçar a Lei n. 10.216 como uma daquelas leis revolucionárias, como chama o presidente do CNJ, ministro Carlos Ayres Brito”, afirmou.
Além da aplicabilidade da lei, outro desafio citado entre os debatedores é o anteprojeto de lei de mudança de artigos do Código Penal, no que diz respeito ao prazo mínimo de internação de 1 a 3 anos, nos casos dos crimes cometidos por pessoas com transtornos mentais. Para a defensora pública da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro, Sílvia Maria de Sequeira, esse tempo é desnecessário.
“Não é a lei que tem de definir o tempo de internação. É o médico que vai julgar o tempo e determinar o tratamento. Nem o juiz, nem a lei têm de decidir isso; é uma questão de saúde”, afirmou a defensora, durante palestra. No Rio de Janeiro os juízes não têm seguido o prazo mínimo, o artigo 178 da Lei de Execuções Penais (LEP), relativo ao cumprimento do exame de cessação.
Articulação – Ao final do seminário, Losekann defendeu a necessidade de maior articulação entre os participantes para que a realidade seja amplamente divulgada. “Se não observarmos e verbalizarmos o que não funciona, teremos retrocessos imensos nesse novo código penal”, disse. “Temos de sair daqui engajados nesse movimento de rever a situação desses 23 hospitais de custódia. No Acre, há 30 pacientes judiciários cumprindo medidas de segurança na própria penitenciária, local completamente inadequado. O Brasil tem de respeitar e cumprir a lei antimanicomial”, completou.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias