A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, lançou, na terça-feira (12/9), o Programa Judicial de Acompanhamento do Desmatamento na Amazônia (Projada). Concebido no âmbito do Conselho, o programa resulta de uma construção democrática, desenvolvida coletivamente durante a gestão da ministra à frente do CNJ. O lançamento marcou o encerramento do Colóquio Internacional sobre Justiça Climática e Democracia, realizado pela Suprema Corte.
A ministra Rosa Weber destacou que, como foi possível confirmar ao longo do evento, a urgência climática em muito superou a mera especulação retórica ou o prognóstico de um futuro incerto. “Infelizmente, é um fenômeno corroborado ano a ano por evidências empíricas que atestam o quadro de emergência e de gravidade das mudanças climáticas que vivenciamos, situação que eleva a Amazônia ao núcleo do debate sociopolítico-ambiental”, observou, acrescentando que “o que ocorre na Amazônia, se reflete no meu Rio Grande do Sul, na Líbia, na Grécia, em tantos outros lugares”.
Voltado para o monitoramento do desmatamento e da degradação da flora nativa na região amazônica, o Projada tem o objetivo de enfrentar o problema em suas múltiplas origens e causas. O trabalho será desenvolvido especialmente em municípios que apresentem maiores índices ou maiores riscos de supressão ou destruição de vegetação nativa na Amazônia.
Durante o lançamento, a presidente do CNJ e do STF ressaltou que o programa compreenderá a execução de várias ações, entre as quais estão a qualificação e melhor utilização de dados estatísticos; o acompanhamento da tramitação de medidas judiciais, extrajudiciais e administrativas e a proposição de medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos relacionados a essas medidas.
Também estão entre os pontos a serem trabalhados o monitoramento e o estímulo à formação e à capacitação continuada de magistrados, magistradas, servidores e servidoras lotados em unidades judiciárias competentes para processar e julgar medidas judiciais sobre desmatamento e degradação da flora nativa. Além disso, o Projada vai atuar no estímulo à integração entre membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, e à participação de outros órgãos públicos, da sociedade civil, das comunidades e de outros interessados, para a discussão e atuação coordenada e efetiva.
Na avaliação da ministra, a Amazônia, ao mesmo tempo em que se mostra fundamental para o alcance das expectativas globais de redução de emissões de gases de efeito estufa, apresenta níveis crescentes de ocupação irregular do território, não raro acompanhada do uso de violência.
Níveis preocupantes
A presidente do CNJ e do STF alertou para o que chamou de “níveis crescentes e extremamente preocupantes” de desmatamento ilegal na Amazônia. Segundo ela, dados indicam que o desmatamento na área cresceu 57% desde 2018. “O desmatamento ilegal na Amazônia avança não somente em extensão territorial como também em complexidade, o que evidentemente dificulta ainda mais o seu enfrentamento”, lamentou.
Rosa Weber explicou que foi constatada, por meio de estudos, a ocorrência de mudanças expressivas nos padrões do desmatamento, como a interiorização territorial da prática aliada à invasão de terras públicas. “É verificada ainda a ampliação da inserção do desmatamento ilegal em cadeias produtivas; o aumento da degradação florestal; e a associação entre a desflorestação e o aumento dos conflitos pela posse da terra e a violência”, disse. A ministra destacou ainda que o problema agora é potencializado pela presença, cada vez maior, do crime organizado ligado ao tráfico de drogas na região.
Papel do CNJ
O papel do CNJ nesse preocupante cenário também foi lembrado. Segundo a ministra, o CNJ vem empreendendo esforços para assegurar o adequado tratamento da questão ambiental. “Contudo, sob a perspectiva do Sistema de Justiça, muito ainda há a fazer. Além de carências e deficiências a suprir, há oportunidades a explorar”, alertou.
O aperfeiçoamento da estrutura e a capilarização das unidades do Sistema de Justiça voltadas à solução de conflitos ambientais e o aprimoramento dos meios de execução das decisões judiciais, acredita Rosa Weber, são medidas que podem ter grande impacto nesse cenário. Segundo ela, a utilização de recursos tecnológicos e a participação de um maior número de atores no monitoramento do cumprimento das decisões judiciais também são avanços previstos e esperados.
A presidente do CNJ e do STF afirmou que os municípios nos quais prioritariamente o desmatamento será monitorado serão identificados anualmente, com apoio em múltiplos indicadores capazes de evidenciar as situações de maior gravidade e, paralelamente, potencial de obtenção de melhores resultados de proteção do bioma.
A proposta do Projada, explicou a ministra em seu discurso, resulta de construção democrática, desenvolvida coletivamente, com a participação, além do próprio Conselho Nacional de Justiça, de especialistas e instituições, públicas e privadas, inclusive organizações da sociedade civil, e das administrações dos Tribunais de Justiça dos estados que compõem a Amazônia Legal e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que puderam debatê-la e contribuir com o seu aperfeiçoamento.
Realidade da decisão judicial
Ao falar do projeto, o ministro Herman Benjamim afirmou que é preciso compreender o texto da decisão judicial e seu impacto àqueles que dela necessitam. “A natureza é uma daquelas entidades vulneráveis, talvez a mais vulnerável de todas. Esta iniciativa da ministra Rosa Weber tem a capacidade de transformar a realidade da decisão judicial”, declarou. “Em geral, os juízes se veem como titulares de muito poder e, de fato, o são. Mas para cada nível de poder, existem dois níveis de responsabilidade”, finalizou.
Representando a Presidência do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) no encerramento do colóquio, o desembargador Marcos Augusto ressaltou que o Projada é uma semente fértil, que representa o compromisso do tribunal e de seus magistrados e magistradas. Diretamente ligado às questões ambientais, o desembargador afirmou que a ação envolverá todos os munícipios com o maior volume de desmatamento. “Os magistrados da Primeira Região são sensíveis a esse tema e abraçarão essa ideia. Em pouco tempo, poderemos constatar os frutos das sementes lançadas no dia de hoje”, concluiu. Os estados que compõe a Amazônia Legal estão sob jurisdição do TRF-1.
Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias