Rosa Weber defende diretos sociais e individuais para combate ao trabalho análogo à escravidão

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Ministra Rosa Weber discursa na abertura do evento Seminário pela Inclusão das Vítimas do Trabalho Análogo à Escravidão, na sede do TSE, em Brasília. Foto: Rômulo Serpa/Ag. CNJ.
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A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, destacou a importância de assegurar a todos o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e o desenvolvimento em uma sociedade fraterna e inclusiva. A declaração foi feita durante a abertura o Seminário pela Inclusão das Vítimas do Trabalho Análogo à Escravidão, na noite desta quinta-feira (22/6), na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.

Em seu pronunciamento, a ministra afirmou que, há pouco tempo, foi surpreendida com notícias de um caso de trabalho análogo à escravidão em seu estado de origem, o Rio Grande do Sul, e destacou que a escravidão contemporânea é uma realidade que precisa ser enfrentada. “Lamentavelmente, ainda é expressivo o número de trabalhadores e trabalhadoras submetidos a condições análogas à escravidão em todas as regiões do país. Isso acontece tanto no meio rural quanto no urbano, nos mais diversos segmentos econômicos, em diferentes etapas da cadeia produtiva”, disse.

Na avaliação da presidente do STF e do CNJ, por meio do evento, que se estende até esta sexta-feira (23/6), será possível estabelecer o diálogo interinstitucional entre os agentes estatais que atuam no combate ao problema, com destaque para os seus principais desafios.

A ministra Rosa Weber também ressaltou que, em meio ao drama humano e social engendrado pelo trabalho degradante, as pessoas nele imersas e que retornam ao ciclo da escravidão contemporânea costumam viver em situação de extrema pobreza e de marginalização social. “Em geral, essas pessoas detêm baixo grau de instrução escolar e enfrentam enormes dificuldades de acesso a políticas públicas de educação, de moradia, de formação profissional e de saúde, entre outros direitos fundamentais”, esclareceu.

A ministra destacou que, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, a política de combate a esse grave crime está sintetizada na Resolução n. 212/2015, que criou, de forma permanente, o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET). “A iniciativa espalhou comitês estaduais em todo o país, incumbidos de elaborar seus regimentos internos e plano de ação para apresentar no Comitê Nacional”, salientou.

O seminário, segundo Rosa Weber, além de proporcionar o contato com a realidade em toda sua aspereza, por meio do depoimento de dois trabalhadores que sofreram a situação de submissão ao trabalho em condições degradantes, oportuniza o conhecimento da assistência pública a eles ofertada e das dificuldades existentes.

Conscientização

A vice-procuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gugel, destacou que promover a inclusão de pessoas escravizadas é afirmar que o país não vai aceitar que ninguém enfrente essa realidade novamente. “Se uma estiver [escravizada], toda a nossa nação também estará. Este é o cuidado que observo na construção desse seminário. O mais eficaz para conter qualquer chaga ou qualquer desigualdade é conscientizar”, reiterou.

A coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (OIT), Maria Clara Falcão, elogiou o comprometimento do Judiciário na promoção de condições dignas de trabalho, e revelou que, em todo o mundo, são mais de 50 milhões de pessoas em situação análoga à escravidão. “Discutir e avançar na inclusão social dessas vítimas é fundamental se o Brasil quer realmente erradicar, de forma sustentável, casos análogos à escravidão”, pontuou.

Escuta ativa e qualificada

Representando o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes, no evento, o também ministro Cláudio Mascarenhas Brandão afirmou que a realização do seminário torna evidente a necessidade de termos uma escuta ativa, qualificada, com empatia, e com humanização das práticas de identificação do combate ao trabalho escravo e de reinserção sociolaboral das vítimas. “Segundo os dados do IBGE, no continente americano, o Brasil foi o país que mais recebeu pessoas nessa condição entre o século 16 e meados do século 19. Nesse período, vieram cerca de quatro milhões de homens, mulheres e crianças, o equivalente a mais de um terço de todo o tráfico de pessoas escravizadas no período”, lembrou.

Depoimento

Ainda na abertura do evento, o público ouviu o emocionante depoimento de Agnaldo Barbosa, trabalhador rural e vítima de trabalho análogo à escravidão, resgatado em 2018. O homem trabalhou por nove anos com a esposa e filhos em uma fazenda, recebendo apenas “feiras” e não salário, na região de Santa Cruz de Cabrália. Quando foi encontrado, estava doente. A mulher sustentava a família com trabalho obtido na cidade. Os filhos sofriam maus-tratos.

Por meio do Projeto Vida Pós-Resgate, ele quer realizar o sonho de seguir a vida na roça, produzindo para a própria subsistência. “Bebia água poluída do rio, sem geladeira, sem banheiro. Quando adoeci, meus meninos tinham de ‘bater’ veneno sem máscara, sem nenhuma proteção e não recebiam nada. Nem a feira, o patrão dava mais, era uma situação muito difícil”, lembrou.

Articulação para trabalho digno

A palestra magna foi proferida pelo ex-procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT) e professor Luís Antônio Camargo de Melo, em mesa composta também pela procuradora do MPT Carolina Mercante. Camargo de Melo foi um dos pioneiros no esforço para combater o trabalho análogo à escravidão no Brasil. Ele enfatizou que esse combate será efetivo apenas por meio da atuação articulada do Poder Público com a sociedade civil articulada.

O ex-procurador contou experiências que acumulou desde 1982, quando começou a atuar pelo resgate de trabalhadoras e trabalhadores submetidos a trabalhos forçados. Ao longo desse tempo, ele identificou avanços, como a edição da lei que prevê a utilização da ação civil pública entre os instrumentos de atuação do Ministério Público. Também reforçou a importância da construção de jurisprudência na temática. “Essa novidade trouxe para a Justiça do Trabalho a possibilidade de indenização de dano moral coletivo. Os valores eram pequenos, de menos de R$ 30 mil, e a reparação exigiria valores maiores. Mas foi possível firmar jurisprudência na Justiça do Trabalho e, depois disso, todas as ações em que se busca reparação prevê essa indenização”.

O professor falou sobre a diversidade de leis nacionais e convenções internacionais que determinam parâmetros de atuação no combate ao trabalho análogo à escravidão, como a Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A norma internacional estabelece que a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. “Às vezes o trabalhador se dispôs a fazer o trabalho, mas ele foi iludido e enganado. Ele saiu em busca de algo que não tinha em seu local de origem”. Camargo reforçou que o papel da Justiça e do Ministério Público não é fechar estabelecimentos, mas sim regularizar a situação do trabalhador.

Entre as normas citadas, ele enalteceu a Constituição Federal brasileira e os artigos em que se prevê a defesa da dignidade humana, a proibição da tortura e do tratamento desumano e degradante e, ainda, a previsão de que a ordem econômica esteja fundada na valorização social do trabalho com a finalidade de assegurar, a todos, a existência digna, conforme ditames da Justiça Social. “Estou acompanhado da Constituição da República porque ela já nos socorre e obriga a acabar com o trabalho escravo contemporâneo. Devemos conhecer, respeitar e aplicar a Constituição Federal”, conclamou.

Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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