Rondônia, onde a mediação ajuda a acabar rebeliões em unidade socioeducativa

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Quando o Centro de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Case) de Ji-Paraná, cidade situada no leste do estado de Rondônia – a 377 quilômetros de Porto Velho – foi inaugurado, em junho de 2016, a juíza Ana Valeria Santiago Ziparro, titular da Vara da Infância e Juventude da comarca, se deparou com um cenário  conturbado.

Os 40 adolescentes transferidos para o Case de Ji-Paraná, provenientes de 14 municípios diferentes, viviam em constante conflito. Em um período de apenas dois meses, seguintes à sua inauguração, o Case teve oito rebeliões. 

As respostas tradicionalmente oferecidas para esse tipo de situação, como castigo e regras mais rígidas, não pareciam surtir efeito. A construção de um ambiente favorável à ressocialização dos jovens só foi possível graças à realização de um projeto de mediação com os socioeducadores, com o objetivo de transformar os agentes que trabalhavam no Case em mediadores de conflitos.

A mediação, método pacífico de solução de conflitos, é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e já é largamente utilizada no Poder Judiciário com base na Resolução CNJ n. 125, de 2010, que criou a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses. As diretrizes ali previstas foram adotadas pelos tribunais, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). 

No entanto, não havia precedentes conhecidos em relação à aplicação do método em unidades socioeducativas. O projeto, denominado “Mediação no Sistema Socioeducativo”, foi criado pela juíza Ana Valéria e, para sua execução, foram contratadas as pesquisadoras Irene Robles Martinez e Edit Sánchez García, da Universidad Complutense de Madrid, que atuam em projetos educacionais na Espanha, e pela juíza aposentada Maria Abadia Castro Mariano, com a parceria da Secretaria de Justiça de Rondônia e da Faculdade Católica de Rondônia (FCR). 

A unidade abriga 35 adolescentes. De acordo com a juíza Ana Valéria, hoje não há mais rebeliões ou motins. “A mediação possibilita a transformação da ‘cultura do conflito’ em ‘cultura do diálogo’, na medida em que estimula a resolução dos problemas pelas próprias partes”, diz. 

Evitar o conflito

O objetivo do projeto foi fazer que os socioeducadores pudessem identificar situações de conflitos, ainda que potenciais, para utilizarem os instrumentos necessários à pacificação, estabelecendo o respeito mútuo e o convívio social harmonioso. “Situações simples como ofensas, quando passam pela mediação, não se tornam infrações administrativas ou até problemas maiores que eram sempre resolvidos por meio do castigo”, diz a juíza Maria Abadia, que ministrou o curso de mediação. 

A primeira etapa foi a sensibilização por meio de palestras para os socioeducadores e a equipe técnica, em que foi apresentado o conceito de mediação e a importância de inseri-la no Case. Em seguida, o “curso de sensibilização e empoderamento dos socioeducadores” buscou aproximá-los da função que exercem e não apenas do papel de vigilantes efetivos, envolvendo-os na transformação do Centro. Ao final, foram identificados os que possuíam mais aptidão para atuarem como mediadores, que realizaram, em seguida, o curso de formação.

Foram selecionados 18 profissionais com esse perfil, que passaram por quatro semanas de formação. De acordo com a juíza Maria Abadia, foram abordados, no curso, temas correlatos ao trabalho dos profissionais do sistema socioeducativo como a comunicação não violenta, empatia e escuta ativa.  

Dentro do Case, foi instalada uma sala de mediação com reserva acústica para assegurar a confidencialidade e com mobiliário adequado. Foram feitas várias simulações, durante o curso, de situações que os educadores vivenciavam na prática, nas quais eles se colocavam no lugar dos adolescentes. Na opinião da juíza Maria Abadia, os adolescentes do Case são sempre pessoas que tiveram uma vida difícil e vêm de uma família conturbada, sendo necessário exercitar o diálogo e a compreensão para convivência com eles. “Os profissionais vão se endurecendo no dia a dia, e com o curso entenderam que conseguem melhores resultados com a humanização do que pela dureza”, diz. 

Logo que terminou o curso, a socioeducadora do Case de Ji-Paraná Ivone Cristina de Souza Soares conseguiu aplicar a mediação em duas situações. Em uma delas, um conflito entre dois adolescentes, no qual um deles era acusado de ser “cagueta”, ou seja, ter denunciado o crime de outro jovem quando ainda estavam em liberdade. “Fizemos três mediações e conseguimos evitar qualquer conflito”, conta Ivone.

A outra mediação se deu em um conflito entre os socioeducadores que trabalhavam em áreas diferentes. De acordo com Ivone, após a mediação, os profissionais, que não se falavam há um ano, voltaram a se comunicar. 

O narcotráfico

Com 132 mil habitantes, a cidade de Ji-Paraná, cujo nome significa “rio dos Machados”, em referência ao rio que a corta de norte a sul, também é atravessada por um grave problema que assola todo o Estado de Rondônia. Com grande parte de seu território fazendo fronteira com a Bolívia, o Estado se tornou, nas últimas décadas, rota do tráfico internacional de armas e drogas. 

Essa realidade se reflete nos adolescentes em situação de vulnerabilidade que acabam cometendo atos infracionais. “Quando não são usuários, são traficantes”, diz a socioeducadora Ivone, referindo-se ao elevado uso de drogas pelos adolescentes internados no Case de Ji-Paraná. De acordo com a juíza Ana Valéria, o fator que mais motiva à internação é o uso de drogas, que leva ao furto e depois ao assalto, já punível com internação, e ao latrocínio.

O problema levou a Vara de Infância a firmar uma parceria com a Organização não Governamental (ONG) Amor-Exigente, que atua no apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, para implantação de um programa de desintoxicação. 

De acordo com a juíza Ana Valéria, o objetivo é que, nos meses em que fique internado, o adolescente já seja submetido a tratamento de forma que ultrapassada a fase de abstinência com auxílio de medicamentos, faça tratamento ambulatorial. “Fazemos também um trabalho junto à família, que também precisa de tratamento”, diz a juíza. 

Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias