“Quando eu iniciei a leitura eu percebi que tinha de mudar de alguma forma, trilhar um outro caminho”, afirma a universitária Karen Caroline Wilkens. Egressa do sistema prisional de Rondônia, ela participou de um projeto de remição de pena por meio da leitura e revelou o potencial transformador dessa prática, durante o evento “Escrevendo histórias: webnário sobre práticas de leitura em prisões de Rondônia”.
O evento foi promovido pela Secretaria estadual da Justiça de Rondônia (Sejus), com o apoio do programa Fazendo Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Com a participação de representantes do sistema de Justiça, o webinário foi transmitido ao vivo no canal da Escola da Magistratura de Rondônia no YouTube e teve mais de 500 visualizações.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Luis Geraldo Lanfredi, ressaltou a importância das ações que passaram a ser desenvolvidas no país nessa temática e que já produzem resultados. “Se estudos apontam que, após a evasão escolar, boa parte dos adolescentes e jovens ingressam no mundo do crime, outras pesquisas têm demonstrado que é na escola, mesmo dentro da prisão, que a violência cede lugar à esperança.”
Mas apesar do potencial transformador dessa prática, poucas iniciativas ainda são registradas nesse sentido nas prisões brasileiras. Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2019, citados por Lanfredi, informam que menos de 3% das pessoas privadas de liberdade tiveram direito à remição de pena pela leitura. “Os desafios para ampliar esse alcance são vários e todos passam pela universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, literatura e bibliotecas, como prevê a Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), voltada ao enfrentamento à restrição de obras e autores, à revelia do que estabelece a Constituição Federal e pela ampliação e qualificação dos acervos disponíveis nas bibliotecas em prisões.”
O magistrado destacou que, em 2020, um grupo de trabalho foi criado no CNJ para o fomento dessas ações com participação de membros do Judiciário, Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública e sociedade civil. Outra iniciativa de destaque foi a Resolução CNJ n. 391/2021, que estabelece procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade. Ele ainda explicou o Plano Nacional de Fomento à Leitura, um conjunto de ações reunidas para a garantia do acesso universal aos livros e à leitura, elaboradas no âmbito do programa Fazendo Justiça.
Marco
O juiz do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) Sérgio William Domingues Teixeira, coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas de Rondônia (GMF/RO), destacou que a possibilidade de remição de pena pela leitura é um marco significativo na humanização do sistema penitenciário brasileiro. Na prática, os presos podem remir quatro dias da pena após ler cada obra, com a possibilidade de chegar até 48 dias de remição por meio da leitura.
“A leitura abre portas para qualquer pessoa. Ela nos mostra o mundo de forma diferente, positiva. Permite a formação integral e positiva do cidadão. Se ela tem esse potencial de modificação para uma pessoa já integrada à sociedade, com muito mais vigor ela assume papel de relevância à pessoa que se encontra presa”, defendeu Teixeira.
Sandro Abel Sousa Barradas, representante do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), também apontou o papel importante que as práticas desempenham. “A leitura exerce um papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, nos aspectos cognitivo, social e relacional.”
O secretário estadual de Justiça, Marcos Rito, afirmou que a pasta está atenta às resoluções do CNJ e as ações do governo federal por meio do Depen, tendo também desenvolvido suas próprias ações em parceria com o TJRO e aprimorando suas atividades. “Ações de reintegração social, principalmente as ações voltadas à capacitação profissional, geração de renda, em que a elevação da escolaridade e o entendimento melhor do mundo promovido pelo conhecimento e leitura fazem com que a pessoa tenha um horizonte mais amplo e possa enxergar novos caminhos pós cumprimento de pena.”
Durante o evento, foram exibidos vídeos de autores lendo trechos de suas obras. Ao final, o Sarau Literário “A leitura transforma e ressignifica”, apresentado por Galeno Amorim, presidente do Observatório do Livro e da Leitura, contou com a participação do poeta, escritor e agitador cultural Sérgio Vaz, fundador da Cooperifa (SP), o poeta rondoniense Elizeu Braga, também ator, contador de histórias e performista da palavra, e o escritor e jornalista Beni Domingues.
Fonte: TJRO