Revisão do regime de custas e gratuidade não pode limitar acesso à Justiça

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Foto: Rômulo Serpa/Agência CNJ
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Disseminar boas práticas relativas às custas e à gratuidade da Justiça, definir fluxos e apresentar propostas ao Legislativo, sem violar o direito do acesso ao Poder Judiciário: essas serão algumas das propostas que devem ser estudadas pelo Grupo de Trabalho (GT) que analisa questões relacionadas à ampliação do acesso à justiça e à melhoria do regime de gratuidade da Justiça após terem sido debatidas durante o “Seminário Políticas Judiciárias de Melhoria do Regime de Gratuidade de Justiça”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante toda a quarta-feira (12/4).

Além disso, o Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Instituto Insper e com o apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o GT está desenvolvendo uma pesquisa mais aprofundada sobre a gratuidade de Justiça. Na etapa qualitativa, e utilizando-se de dados do CNJ a partir do DataJud, o diagnóstico buscará compreender como transcorreram os processos judiciais que tiveram decisão de deferimento ou indeferimento de pedidos de assistência judiciária gratuita. Já na pesquisa quantitativa que está sendo desenvolvida pelo Insper e o TJSP, o objetivo consiste em estabelecer relações entre as probabilidades de gratuidade em relação à  situação socioeconômica dos municípios. A expectativa é de que até junho sejam apresentados resultados parciais.

O subcoordenador do GT, conselheiro Richard Pae Kim, pontuou a importância desse trabalho conjunto não apenas para a conscientização quanto ao custo do processo, mas também para o estímulo a que os jurisdicionados busquem resolver conflitos na esfera administrativa antes de valerem-se do Poder Judiciário.

Conforme dados apresentados pelos palestrantes durante o seminário, embora a Justiça seja compreendida como bem comum e possa ser acionada por qualquer pessoa, sua estrutura e seus recursos são limitados. Apenas 14% das despesas totais do Poder Judiciário são pagas com as custas judiciais, o que pode vir a comprometer o sistema.

Durante os painéis que acontecerem no período da tarde – “Impactos do tratamento dado à gratuidade” e “O que pode ser feito? Repensar a gratuidade. Medidas concretas” –, os palestrantes discutiram a necessidade de realizar-se modificações nos regimes de gratuidade de custas e de taxas, de forma a adequá-los à realidade do país. O diagnóstico inicial é de que os benefícios, embora importantes para eliminar a desigualdade, são mal distribuídos.

Os palestrantes ressaltaram ainda que é preciso olhar para as taxas de congestionamento da Justiça brasileira e pensar em incentivos para as pessoas litigarem com mais responsabilidade. Também pontuaram a necessidade de analisar-se as causas dos litígios, tendo o cuidado de, ao regular a gratuidade, não gerar um desincentivo à busca de direitos junto ao Poder Judiciário.

Litigância predatória e reformas

Estudos em andamento na Corregedoria Nacional de Justiça indicam a existência de uma relação entre o benefício da gratuidade e a litigância predatória.

Uma melhor compreensão da dinâmica fica obstada, todavia, pelo fato de que, embora 70% dos tribunais brasileiros tenham respondido à pesquisa, apenas 13 deles contam com painéis de litigiosidade repetitiva. Desses, só sete estariam aptos a ter filtros para captar essa litigância. Conforme destacado pela juíza auxiliar da Corregedoria Nacional, Priscilla Corrêa, tais filtros são os mesmos encontrados em outras pesquisas. “Rever a gratuidade não é suficiente para resolver a litigância predatória. É preciso contextualizar a política judiciária à realidade brasileira”, afirmou.

As mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista também foram destacadas, pois alteraram a forma de lidar com a hipossuficiência econômica e a vulnerabilidade processual ao propiciarem uma série de alterações que ampliaram os números de demandas das empresas e de recursos, além de estabelecer um teto para as custas. Dessa forma, a ampliação do acesso ao segundo grau da Justiça se reflete também no aumento do tempo do processo e, se confirmada a gratuidade, a empresa pode ser dispensada de recolher o depósito recursal.

O conselheiro Pae Kim reforçou que os dados produzidos ao longo dos anos demonstram a necessidade de dar tratamento adequado à gratuidade e agir para evitar-se seu uso atípico, fraudulento e, ainda, a propositura de demandas predatórias. Para isso, destacou a importância do monitoramento dos perfis de demandas, com avaliações caso a caso. “É preciso avaliar a utilização dos Juizados Especiais em razão da gratuidade e do afastamento das verbas de sucumbência, pois não estão alcançando aqueles que se pretendia atender”, afirmou.

Leia mais: Aperfeiçoamento da gratuidade de Justiça demanda padronização e dados estruturados

Próximos passos

O subcoordenador do GT informou que o grupo deve apresentar sugestões voltadas a normatizar e dar densidade às boas práticas identificadas pelos tribunais. Também devem ser elaborados manuais para a definição de fluxos para a concessão de gratuidade de justiça.

Outra proposta é reunir as sugestões dentro de uma lógica econômica com gestão adequada, observado o interesse público – sem violar o direito de acesso à Justiça –, para propor modificações legislativas que serão levadas ao Congresso Nacional. Pae Kim reforçou ainda que devem ser ouvidos outros órgãos públicos, a sociedade civil e a academia. “Para atender esse pleito, devemos realizar uma consulta pública, que permita a participação social nos estudos de mudanças para a melhoria da gratuidade”, ressaltou.

Instituído pela Portaria n. 113/2022, o GT foi criado para realizar estudos e apresentar propostas de políticas judiciárias de ampliação do acesso à justiça, melhoria dos regimes de custas, taxas, despesas judiciais e gratuidade de Justiça ao CNJ.

Texto: Lenir Camimura
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias

Reveja os debates do Seminário Políticas Judiciárias de Melhoria do Regime de Gratuidade de Justiça, na tarde de 12/4

 

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