No início de junho do ano passado, bandidos invadiram o Fórum de Diadema/SP, renderam três vigilantes e roubaram quase 400 armas, entre revólveres, garruchas e submetralhadoras.
Dois meses antes, 150 armas foram subtraídas do Fórum de Serra, no Espírito Santo. Em 2017, pelo menos sete casos como estes ocorreram em diversas regiões do País. Com isso, armas apreendidas durante anos em operações policiais, e sob custódia da justiça, acabaram retornando para o crime.
O quadro, no entanto, está sendo alterado pelo esforço dos Tribunais de Justiça (TJs) em retirar as armas e munições armazenadas em fóruns. Eles atuam em cumprimento a Resolução n. 134 do CNJ, de 2011, que determina que os tribunais encaminhem, pelo menos duas vezes por ano, as armas de fogo e munições apreendidas para o Comando do Exército, a fim de serem destruídas ou doadas.
A ação foi intensificada com a assinatura do acordo de cooperação técnica feito em novembro passado entre a ministra Cármen Lúcia, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), e o Comandante do Exército Brasileiro, general Eduardo Villas Bôas.
O acordo permitiu que, nos últimos seis meses, aproximadamente 150 mil armas de fogo e munições apreendidas e sob a guarda do Poder Judiciário fossem encaminhadas ao Exército Brasileiro para destruição.
As armas destruídas são as consideradas desnecessárias pelos juízes para a continuidade e instrução dos processos judiciais. Apenas uma pequena parte do armamento que está nos fóruns pode ser doado para a polícia em função das suas condições de uso.
Para Ivan Marques, diretor do Instituto Sou da Paz, os assaltos aos fóruns informados nos últimos anos são exemplos cabais de que não há sentido em se estocarem armas em fóruns, pois isso acaba gerando um retrabalho à polícia para recuperar este armamento em poder dos criminosos.
“É absolutamente extraordinário o Judiciário brasileiro se envolver no esforço de controle de armas e na aplicação do Estatuto do Desarmamento”, disse.
Segundo Marques, um desafio para aumentar a segurança pública “é melhorar a fiscalização na indústria nacional e na custódia das armas”. Isso porque, de acordo com pesquisa do Instituto Sou da Paz, feita no Estado de São Paulo, mais de 80% das armas usadas em homicídios e 87% das utilizadas em roubos são de fabricação nacional.
Tribunal Paulista remove armas dos fóruns
Em junho de 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) conseguiu remover todas as armas dos fóruns do interior do Estado e da região metropolitana da capital. Ao todo, naquele mês foram removidas 19.327 armas que estavam depositadas nas unidades judiciárias do Estado de São Paulo.
A remoção pôs fim aos roubos de armas em fóruns, problema que vinha se tornando crítico no Estado: somente no período de 2015 a junho de 2017, foram sete eventos dessa natureza, ocorridos nos fóruns regionais do Jabaquara e São Miguel Paulista e nas comarcas de Promissão, Piratininga, Osasco, Guarujá e Diadema. De acordo com o juiz Leandro Galluzzi, assessor da Presidência do TJ-SP, desde então, não existiram novos roubos.
Para Galluzi, o trabalho conjunto para remoção do armamento apresentou dois benefícios principais. “O primeiro é a segurança dos fóruns e, consequentemente, das pessoas que trabalham e circulam pelos prédios. O segundo aspecto é eventual aproveitamento das armas brasonadas pelas Polícias Civil e Militar, um benefício para o povo paulista, uma vez que serão utilizadas no combate à criminalidade”, disse o magistrado.
Atualmente, o Provimento n. 2.345/2016 do tribunal paulista determina que as armas que acompanham inquéritos policiais, termos circunstanciados ou os procedimentos de apuração de ato infracional, não sejam mais recebidas pelos ofícios de justiça, permanecendo em depósito junto à autoridade policial nas dependências do órgão encarregado de efetivar o exame pericial. Após a perícia, dando-lhe o encaminhamento previsto em lei, elas são remetidas para destruição ou para melhor equipar as forças de segurança.
Prova para o processo passa a ser o laudo
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) também conseguiu estabelecer, com base no convênio firmado entre o CNJ e o Exército, um caminho mais rápido e seguro para a destruição de armas armazenadas em fóruns de Justiça.
O tribunal firmou, em março, um termo de cooperação com a Secretaria de Segurança Pública e o Ministério Público estadual, para regulamentar a adoção e realização de procedimentos para controle e apreensão, armazenamento e destruição das armas de fogo apreendidas no estado.
Com o novo fluxo estabelecido pelo convênio, haverá comunicação prévia ao juiz quando da apreensão da arma na delegacia. Quando o juiz considera necessária a manutenção da arma para o desfecho do processo, e não apenas o laudo pericial, a arma é encaminhada a depósitos situados dentro de batalhões da polícia militar, instalados nas comarcas de Goiânia, Caldas Novas, Uruaçu, Jataí e Luziânia. Ali permanecem acauteladas, ou seja, sob custódia da Justiça por, no máximo, 180 dias, conforme determina a Resolução n. 134 do CNJ.
As armas que não são acauteladas vão direto para destruição ou doação. De acordo com o juiz auxiliar da presidência do TJ-GO, Jeronymo Pedro Villas Boas, atualmente há 3,5 mil armas acauteladas, armazenadas em batalhões da polícia no Estado.
“A destruição de mais de 25 mil armas de fogo recentemente, graças ao termo de cooperação assinado entre o CNJ e o Exército, resultou em maior segurança para as unidades jurisdicionais do estado de Goiás”, disse o juiz Villas Boas.
Melhores condições para a polícia
O novo fluxo estabelecido pelo tribunal goiano tem contribuído com o aparelhamento da polícia, já que a decisão rápida do juiz permite a destinação às forças policiais enquanto a arma ainda está em boas condições de uso.
“Às vezes apreendemos armas melhores do que as que temos, então a destinação contribuiu para aperfeiçoar o armamento da polícia”, disse a delegada de polícia civil Emilia De Podestà, chefe de Gabinete da Secretaria da Segurança Pública de Goiás.
Para a delegada, outro benefício é que, antes do acordo, havia o perigo de a arma ficar em delegacias, o que gerava a necessidade de destacar policias para vigiar o prédio. Outra mudança positiva é a possibilidade de remarcação de armas cuja numeração foi raspada ou sem numeração.
“Antes, com armas nessas condições, não poderiam ser reaproveitadas mesmo que elas interessassem à polícia. Agora, o Exército pode autorizar a remarcação, que é feita pelo tribunal”, disse a delegada Emília.
Tribunais buscam soluções
Antes da adoção desta nova estratégia pelo TJ-GO, as armas apreendidas pela polícia eram encaminhadas ao juiz para condução do processo e, mesmo após a conclusão destes – que poderia se arrastar por anos –, elas permaneciam nos depósitos da Justiça. Esse percurso era comum em todo o Brasil, cenário que vem mudando em sintonia com o acordo entre o CNJ e o Exército brasileiro.
Assim como o tribunal goiano, diversos tribunais do País se mobilizaram para mudar a dinâmica de apreensão das armas. O Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE), por exemplo, conseguiu autorização inédita do Exército Brasileiro para realizar a inutilização das armas apreendidas e que estão sob sua responsabilidade, e que são consideradas desnecessárias pelos juízes para a continuidade e instrução dos processos judiciais.
Com a permissão dada ao Judiciário sergipano, o fórum adquiriu uma prensa hidráulica motorizada, com capacidade de força de trinta toneladas, que previamente inutiliza todos os tipos de armamentos.
“Com essa rotina, aumentamos nossa segurança institucional, de forma que não temos mais a custódia de armas em nossas dependências”, afirma o delegado Flávio Albuquerque, diretor de Segurança do TJ-SE.
“O 11º Anuário de Segurança Pública, estudo produzido pelo Fórum Brasileiro sobre Segurança Pública e lançado em outro do ano passado, revelou que, em números absolutos, Sergipe foi considerada a unidade da Federação com a maior taxa de mortes violentas — 64 por 100 mil habitantes. Em 2016, o Estado registrou 1.449 ocorrências deste tipo de crime, número 11,5% maior do que o registrado no ano anterior”, disse Albuquerque.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias