No mês em que se comemora o aniversário da Lei Maria da Penha, magistradas, promotoras, advogadas e profissionais do Sistema de Justiça ligadas ao combate à violência contra a mulher participaram de reunião, com membros da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, para debater os problemas que mulheres vítimas de violência ainda encontram na busca pela proteção do Estado. O encontro, realizado na sexta-feira (6/8), faz parte da programação do Agosto Lilás, campanha nacional de enfrentamento à violência doméstica.
A conselheira do CNJ Ivana Farina lembrou a importância do trabalho conjunto entre Judiciário e Legislativo. Em maio, o Congresso Nacional transformou em lei a campanha de pedido de socorro silencioso Sinal Vermelho – criada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com o CNJ – e o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, desenvolvido por especialistas da Justiça e do Ministério Público.
“Temos um quadro muito grave a enfrentar nesse pais de violações de direitos humanos e de direitos humanos das mulheres. Esse quadro requer mobilização, parcerias, respeito e uma ação muito contundente. Assim como é contundente a violência crescente contra a mulher , é preciso que nossa reação e a construção de políticas de enfrentamento também sejam contundentes e eficazes”, afirmou, mostrando o X pintado em suas mãos, em referência à campanha Sinal Vermelho.
Ivana afirmou que o CNJ coordena muitas ações na temática e apresentou políticas desenvolvidas pelo órgão no enfrentamento à violência contra a mulher e também na de busca pela equidade de gênero. No enfrentamento à violência contra a mulher, a conselheira citou a criação da Política Judiciária Nacional de Combate à Violência Contra as Mulheres, e na questão de equidade, a resolução que trata da maior participação feminina no Judiciário.
“O enfrentamento não se dá por anúncios; ele acontece quando você capacita os profissionais que vão lidar com isso, quando você investe em estruturação das unidades para esse trabalho”, defendeu a conselheira, que coordenou um grupo de trabalho no CNJ para desenvolver um protocolo de julgamento com perspectiva de gênero para toda a Justiça, em virtude da necessidade de se aprimorar os julgamentos de crimes bárbaros praticados contra mulheres e a população LGBTQI+.
Direitos humanos
“É preciso que a Justiça enxergue de maneira especial quando estiver diante dessas violações gravíssimas de direitos humanos. O Sistema de Justiça não pode revitimizar a mulher em seu atendimento”, afirmou Ivana, que deve levar o texto do protocolo para julgamento em Plenário nos próximos dias. A conselheira também citou a troca de saberes proporcionada pelos encontros anuais nas Jornadas da Lei Maria da Penha, ação criada em 2007, um ano depois do nascimento da Lei Maria da Penha,
Ela ainda ressaltou a importância do projeto Semana Justiça Pela Paz em Casa. Criado em 2015, em parceria com os Tribunais de Justiça, o projeto alavanca o julgamento de feminicídios e dá mais celeridade aos processos judiciais relativos à violência doméstica. “A Justiça tem que estar presente em tempo”, reforçou a conselheira, que lembrou que a questão dos direitos humanos é um dos eixos estruturantes da gestão atual do CNJ, presidida pelo ministro Luís Fux.
Pouco acesso, muito risco
O grupo de parlamentares da Câmara dos Deputados levantou várias questões a respeito do tema, entre elas a necessidade de haver um levantamento nacional que detecte de maneira específica quantas delegacias e varas especializadas em violência doméstica são necessárias em cada município ou localidade para facilitar o acesso das mulheres em situação de risco.
“É complicado seguir incentivando as mulheres a denunciarem a violência quando sabemos que na maioria das cidades não há nem sequer uma delegacia de mulheres, nem varas especializadas em violência doméstica”, afirmou a deputada Tereza Nelma (PSDB/AL). Pesquisa de Informações Básicas Municipais e Estaduais (Munic), divulgada em 2019 pelo IBGE, revelou que em 91,7% dos municípios brasileiros faltam delegacia especializada de atendimento à mulher.
Dados do CNJ revelam que há 139 varas especializadas em violência contra a mulher, em todo o pais. Atualmente, tramitam na Justiça mais de um milhão de processos de violência doméstica, além de 5 mil de feminicídio. Preocupada com a situação de vulnerabilidade das mulheres em relação ao acesso aos instrumentos estatais de proteção à vida, a parlamentar citou que, em seu estado, por exemplo, só existe a Casa Abrigo na capital.
“E eles só deixam entrar mulher com filho se ele for pequeno. Se for adolescente não entra. Como posso dizer pra mulher que tenha coragem, que denuncie, se temos poucos espaços, se os locais em geral só funcionam dias de semana?”
Chamadas do 190
Em 2020, em média, a cada minuto, oito mulheres foram agredidas no Brasil. Pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que ao menos 17 milhões de brasileiras (24,4%) sofreram algum tipo de violência ou agressão durante a pandemia da Covid-19. O percentual de mulheres agredidas em 2020 indica que, uma a cada quatro mulheres com idade acima de 16 anos foi atacada fisicamente, psicologicamente ou sexualmente no primeiro ano da pandemia.
Coordenadora de um grupo de pesquisa na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto sobre acesso à Justiça e desigualdades, a convidada Fabiana Severi informou que, em 2020, as ações do governo federal para essa área tiveram a menor execução orçamentária dos últimos 10 anos.
Representando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Maria Gabriela Prado Manssur, defendeu que sejam assegurados recursos no Orçamento para garantir a segurança e os direitos das mulheres. “Sem investimento, não teremos isso.”
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias