A primeira sentença registrada pela Justiça do Distrito Federal tem relação com o caso do roubo de um ferro de passar roupa. O juiz absolveu o réu – “cearense simples, humilde e sincero” – por falta de prova e a justificativa de sua decisão é uma ode ao respeito ao princípio constitucional (in dubio pro reo) de reconhecimento do direito do cidadão ser considerado inocente até que se prove o contrário. “O Estado que subestima ou persegue a inocência é o Estado relapso ou arbitrário, perverso e apóstata. E a Justiça que o serve, acumpliciando-se com atos de rebaixamento do cidadão, é a Justiça sem alma e sem coração, serva do despotismo ou das vãs cobiças, escrava dos outros ou de suas próprias fraquezas”, diz a sentença assinada pelo juiz Joaquim Souza Neto, da 1ª Vara Criminal do Distrito Federal em junho de 1960, dois meses depois da cidade ser inaugurada.
Considerado histórico, o processo é um dos que podem ser acessados a qualquer momento graças ao Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq), sistema digital de arquivamento criado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e vencedor do Prêmio CNJ de Memória na categoria Patrimônio Cultural Arquivístico, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A solução de arquivamento criada pelo tribunal do DF permite a guarda documental de longo prazo, de maneira gratuita, e em código aberto por meio dos softwares Archivemática e AtoM, garantindo a preservação digital de documentos de maneira íntegra, perene e segura, resguardando digitalmente a memória do Poder Judiciário do Distrito Federal.
O repositório digital nasceu da parceria entre o TJDFT e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), em um trabalho iniciado em 2018, e que já vem sendo seguido por outros tribunais do país, com a intermediação do CNJ.
História
De forma inovadora, o sistema conversa com outros sistemas e ferramentas digitais já utilizados pelo TJDFT, como o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e o Processo Judicial Eletrônico (PJe). Além do ambiente de arquivamento, o repositório possui funcionalidades que permitem a difusão dos materiais de maneira transparente e simples, possibilitando a pesquisa e o acesso por universitários, jornalistas, historiadores e demais cidadãos que se interessam pela história e cultura do Brasil.
O caso da menina Ana Lídia, que chocou Brasília na década de 1970, e o assassinato do jornalista Mário Eugênio (supostamente a mando do secretário de segurança pública do DF), em 1984, são alguns de importância histórica acessíveis pelo RDC-Arq.
Um dos pontos importantes do repositório é que, a longo prazo, a transferência para o repositório desses casos desafogará o PJe. O secretário de Gestão da Informação e do Conhecimento do TJDFT, Otacílio Guedes Marques, explica que, antes da criação do RDC-Arq, era complicado trabalhar com o arquivo da Justiça, fosse pelo tamanho, pela desorganização e até mesmo pela falta de salubridade.
Hoje, o arquivo é centralizado e digitalizado. Ele conta que, ao longo dos anos, têm sido eliminados processos não relevantes e mantidos os de importância histórica, seguindo as diretrizes contidas na Resolução n. 324/2020, que tratou das normas de Gestão de Memória e de Gestão Documental do Poder Judiciário.
Conhecimento e tecnologia
Otacílio destaca que, para garantir a segurança dos documentos digitais, é preciso investir em um sistema seguro, em praticamente um bunker. “O risco de perda do material digital é maior que os riscos com os documentos em papel porque digitalmente eles podem sumir. Seja por problemas de hardware, de software, ou mesmo de obsolescência”, diz o especialista.
A segurança dos dados é algo garantido pelo RDCArq já que o repositório é um ambiente de preservação dos processos judiciais digitais que respeita a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). As informações históricas estão contidas no sistema e os dados pessoais privados estão protegidos.
Otimização de recursos
O arquivista explica que a correta digitalização e armazenamento foi um trabalho complexo, que não ocorreu da noite para o dia, mas seus ganhos compensaram o esforço. A medida impactou positivamente na economia do tribunal, que economizou mais de R$ 600 mil reais por mês com gastos em armazenamento físico. Ainda hoje existem cinco galpões que guardam esses documentos.
“Se não tivéssemos começado a digitalizar os documentos lá atrás, hoje teríamos de adquirir outros galpões, em um processo de guarda sem fim. Atualmente, nossa taxa de crescimento de documentos físicos é negativa. Muitos desses ainda estão sendo tratados e serão eliminados de acordo com a tabela de temporalidade”, diz o técnico judiciário.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias