Propriedades rurais perdidas, terras impróprias para o plantio, pescadores que não têm mais condições de exercerem seus ofícios e centenas de famílias que ainda não foram incluídas em programas de reparação financeira. Essas foram algumas das situações encontradas pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho na agenda realizada esta semana nas cidades mineiras de Mariana e Governador Valadares, Conselheiro Pena, Ilha Brava e distritos próximos para debater os acordos de repactuação para as pessoas atingidas pelo desastre da Barragem do Fundão, em 2015.
Bandeira de Mello, que recebeu do presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, a missão de mediar o diálogo entre todos os envolvidos na Repactuação do Rio Doce, lembrou que o dano vem se repetindo a cada ano. Ainda que sem a intenção por parte dos agentes, a situação é recorrente e agravada por condições da natureza. “É fundamental que se encontre uma forma das pessoas voltarem a produzir e encontrar novamente sua subsistência.”
A visita à região afetada foi programada com o apoio do Ministério Público de Minas Gerais para compreender melhor a realidade de sobreviventes, os atrasos das obras dos assentamentos e outras questões referentes ao tema. O conselheiro afirmou que as pessoas atingidas são prioridade central no acordo de repactuação. “Gostaria de voltar à Mariana muito em breve com a repactuação assinada, trazendo mais direitos aos atingidos, reconhecendo direitos àqueles que ainda não o foram. Trazendo, pelo menos, uma perspectiva de solução desse problema.”
De setembro do ano passado até fevereiro deste ano, o CNJ realizou três audiências públicas virtuais para discutir o assunto com movimentos sociais, pessoas atingidas, especialistas e órgãos e instituições envolvidas no rompimento da barragem de Fundão. Também estão sendo realizadas reuniões periódicas de alinhamento com a participação das empresas envolvidas, governos de Minas Gerais e Espírito Santo e membros do Sistema de Justiça.
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Agenda em Minas Gerais
Bandeira de Mello visitou alguns dos principais locais afetados pelo desastre ambiental provocado pela Barragem do Fundão. A agenda teve início na terça-feira (29/3), com a visita às obras do Assentamento Coletivo Bento Rodrigues, onde será realocada parte dos atingidos do distrito de Bento Rodrigues, e às instalações da Samarco, para conferir os protocolos de segurança adotados após o acidente. Na tarde do mesmo dia, foi realizada a primeira audiência presencial com pessoas atingidas pelo desastre de Mariana e o representante do CNJ. Vítimas e sobreviventes falaram sobre o impacto do rompimento da barragem nas localidades de Bento Rodrigues, Barra Longa, Antônio Pedro, Paracatu de Baixo e Gesteira.
Para o conselheiro do CNJ , os depoimentos mostram uma insatisfação geral com o ritmo de reparação e também com a falta de atendimento e assessoria às pessoas que agora têm de lidar com uma nova realidade. “Pretendo levar a essência das reivindicações que tivemos em Mariana na continuação dessas audiências públicas. Somente após essa fase podemos tentar construir um acordo que contemple, tanto quanto possível, as demandas diretas das pessoas atingidas.”
Na quarta-feira (30/3), ocorreram as visitações e audiências públicas com atingidos em Ilha Brava, cujos moradores, a maioria de pescadores, lutam para encontrar novos meios de sobrevivência e obter o reconhecimento do direito à indenização. À tarde, o conselheiro esteve em Conselheiro Pena, em conversa com produtores rurais locais que viram suas terras se tornarem improdutivas após o acidente de 2015, e as sucessivas enchentes que ampliaram os estragos ambientais do desastre da Barragem do Fundão.
Na segunda e última parte da agenda em Minas Gerais, Bandeira de Mello realizou nova rodada de oitivas presenciais na cidade de Governador Valadares com atingidos de Resplendor, Ilha Brava, Conselheiro Pena, Periquito, Pedra Corrida, Aimorés, Cachoeira Escura (distrito de Belo Oriente), Naque, entre outras localidades de Minas Gerais.
Ele destacou que já tinha visitado a região há dois meses, em inspeção aérea do local, mas que a realização de audiências presenciais foi muito importante para que pudesse compreender com mais clareza a realidade vivida pelos atingidos. “Me sensibilizei muito com os relatos. Para mim, até como ser humano, foi muito essencial conhecer essa realidade, o que me faz ficar ainda mais comprometido com que vai ser construído aqui.”
Situação das obras
De acordo com a Fundação Renova, entidade no momento responsável por fazer a gestão das ações compensatórias e reparatória pós-acidente, até o momento, 203 famílias optaram pelo reassentamento coletivo. Em números absolutos, o reassentamento de Bento Rodrigues tem 47 casas concluídas, 77 em construção, 170 projetos básicos protocolados na prefeitura, 159 alvarás emitidos e 22 licenças simplificadas para lotes. As obras de infraestrutura estão concluídas.
No município de Paracatu de Baixo, foram iniciadas as obras de 16 casas, além das construções das escolas fundamental e infantil e do posto de saúde. Ações como terraplenagem das vias de acesso e das áreas dos lotes, contenções, obras da rede de drenagem pluvial, adutora de água tratada e rede de esgoto também foram iniciadas. Foram protocolados 61 projetos básicos na prefeitura, liberados 51 alvarás de casas e emitidos 9 alvarás para bens de uso coletivo (escolas de ensino infantil e fundamental, Praça Santo Antônio, Posto Avançado de Saúde, Posto de Serviços, Capela Santo Antônio, Casa São Vicente, Campo e Salão comunitário) e quatro licenças simplificadas para lotes.
O reassentamento coletivo de Gesteira aguarda decisão sobre Ação Civil Pública (ACP), que tramita na 12ª Vara Federal Cível/Agrária de Minas Gerais. Parada desde 2019, a execução depende ainda da homologação de projeto conceitual, elaborado a partir do anteprojeto da comunidade, assessoria técnica e Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Desastre ambiental
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão da mineradora Samarco em conjunto com a Vale e a BHP Billiton, localizada no município de Mariana (MG), se rompeu, provocando um enorme desastre ambiental. Foram despejados, na bacia do rio Doce, mais de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. As primeiras comunidades atingidas foram Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. Casas e equipamentos públicos foram arrastados pela lama. Em um primeiro momento, 19 pessoas morreram com o rompimento da barragem.
Outros municípios também foram afetados pela tragédia, como Barra Longa, situado a 60 km do empreendimento, além de Governador Valadares, Tumiritinga, Ilha da Barra, entre outros de Minas Gerais e Espírito Santo. Até o momento, somente em Minas Gerais, o total de mortos chega a 82, segundo dados disponibilizados pelas associações de atingidos. O desastre afetou abastecimento de água, atividades como pesca e turismo das cidades localizadas ao longo da bacia do Rio Doce.
Ana Moura
Agência CNJ de Notícias
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