Os painéis “Ética e governança da inteligência artificial” e ”Desafios dos ecossistemas de inovação, proteção de dados pessoas e o direito à saúde” abriram de debates da tarde do Fórum Internacional de Justiça e Inovação (FIJI), nesta segunda-feira (19/6). O evento, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se encerra nesta terça-feira (20/6).
O assessor chefe de Inteligência Artificial do Supremo Tribunal Federal, Rodrigo Canali, abriu o primeiro painel da tarde lembrando que as novas tecnologias combinam riscos e possibilidades. “Com a inteligência artificial não é diferente, o importante que o uso dessas ferramentas mitigue qualquer eventual dano, podem criar problemas ou ampliar os que existem, plataformas de mídias sociais e seus impactos questões com direitos humanos”, destacou.
A primeira palestrante, a advogada e professora do IDP Tainá Junquilho, expôs sobre a importância do tema ao abordar que pode gerar uma série de riscos, de viés discriminatório, com o uso de dados sensíveis. “Suscita a discussão sobre regulação, que traz balizas para uma boa governança, mas que precisa ser sociotécnica, envolve medidas tecnológicas, mas também decisões tomadas por seres humanos”, defendeu.
No contexto brasileiro, ela citou dois importantes documentos que abordam o tema, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), do governo federal, e o Projeto de Lei 2.338/23, que dispõe sobre o uso da inteligência artificial (IA). A professora, porém, questionou sobre a aplicação de uma lei sem uma classificação baseada nos riscos da aplicação.
A pesquisadora defendeu que ao falar de governança para IA no Brasil, o desafio é criar estrutura que reduza desigualdades de acesso à internet. “É fundamental investimentos em ciência e pesquisa para o fortalecimento da autoridade nacional de proteção de dados, bem como avaliar os impactos sociais e benefícios que a IA podem trazer”.
Pesquisador da Fundação Getulio Vargas, Guilherme Klafke falou sobre comitês de governança relacionados à internet. O painelista trouxe exemplos de iniciativas desenvolvidas no mundo que trazem princípios de aplicação da IA, como os comitês de ética criados tanto em grandes empresas quanto em órgãos públicos.
Ele salientou que o Brasil não está atrás do movimento mundial de levar IA para o Poder Judiciário. “O CNJ já regulou a questão em 2020, com a Portaria n. 271, que determina e existência de uma plataforma e um modo responsável para cada tribunal que faz uso desses sistemas, além da Resolução n. 332, que orienta aos tribunais seguirem as recomendações do órgão”, destacou.
O advogado enfatizou que esses atos normativos colocam o Conselho como a estrutura de governança da IA no Judiciário brasileiro. “Inclusive com poder de veto a projetos que sejam contrários a preceitos éticos da Resolução n. 332”, destacou. “Se for fazer um projeto com reconhecimento facial, é preciso ter autorização do CNJ”, lembrou.
Disparidade de acesso
Para falar sobre mídias sociais, plataformas e seus impactos em segurança, direitos humanos, liberdade de expressão e privacidade, a painelista foi a advogada Juyoun Han. Em 2022, ela entrou para a lista das 100 mulheres brilhantes em ética de IA. Durante sua apresentação, a especialista trouxe sobre a disparidade de acesso à tecnologia que há entre as diferentes camadas da sociedade.
Ela citou casos reais de pessoas que tiveram que recorrer à Justiça, por meio do escritório que ela trabalha em Nova Iorque, nos Estados Unidos, por terem direitos violados por não terem acesso à tecnologia e oportunidades injustas de trabalho. “Durante a pandemia pessoas que necessitavam de intérpretes ao se comunicar, como portadores de deficiência auditiva porque as soluções de IA não atendiam às necessidades delas porque o poder da tradução pela inteligência artificial não é tão boa”.
Saúde
A Secretaria de Tecnologia da Informação do STF, Natacha Moraes, foi a moderadora do painel “Desafios dos ecossistemas de inovação, proteção de dados pessoas e o direito à saúde’. Ela destacou que o momento é de se questionar em que lugar do mundo o Brasil vai estar quanto às regulamentações existentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e as regulamentações de IA, que estão por vir. “Elas podem impactar de forma positiva ou negativa no desenvolvimento dessas tecnologias dentro do nosso território”.
Neste sentido e na regulamentação das novas tecnologias na área da saúde, o painelista foi neurocientista Leandro Mattos. O especialista destacou o uso da tecnologia para trazer impacto social em questões de saúde, diante da escassez de profissionais e acesso à medicina preventiva, por exemplo.
Ele atua com pessoas com espectro autista, mal de Parkinson e Alzheimer. “A população tem necessidades de atendimento, apesar de termos o Sistema Único de Saúde (SUS), que é exemplo, a procura por serviços ainda é maior do que a capacidade operacional.”
O painelista ilustrou com um caso concreto em que um professor usou uma ferramenta chamada triagem digital, que aprendeu a utilizar escala médicas, com uma conversa orientada resultando em uma resposta de probabilidades. “Os pais foram orientados pela professora e no consultório médico recebeu o diagnóstico correto de espectro autista”.
Leandro salientou que o poder da tecnologia, da IA pode ser usado como um catalisador para chegar a prováveis indicações. “A minha função como cientista é criar soluções baratas, acessíveis, escaláveis para ajudar quem mais precisa”, destacou. Ele enfatizou que a decisão entre a utilização e a regulamentação deve ser resolvida com colaboração entre os entes envolvidos.
A segunda palestrante, a advogada Tainá Junquilho, lembrou que, no momento, o Brasil e o mundo passam pela quarta revolução industrial. “A computação e a internet mudaram a sociedade que vivemos, trouxeram inúmeros desafios e deram base ao conjunto de tecnologias com que convivemos, cujo maior expoente é a Inteligência Artificial”. Essas inovações têm muitas aplicações no direito à saúde. “Há uma série de benesses, mas são dados sensíveis que provocam um dilema de como regular”, disse. Ela lembrou que as regulamentações, entre elas a LGPD, vão conversar com a IA para classificar os dados relacionados à saúde como sensíveis. “Precisamos balancear estratégia, desenvolvimento com limitação, previsibilidade e mitigação dos riscos”, avaliou.
Inovações tecnológicas e trabalho digno
Pela manhã, o segundo painel tratou do tema “Novas tecnologias e trabalho digno”. Para o desembargador Francisco Rossal de Araújo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), o momento é de reflexão, sob o ponto de vista ético, sobre os pactos que a sociedade faz ao desafiar o conhecimento.
Para ele, o uso da tecnologia tinha, até agora, a consciência humana como limite, ou seja, só fazia o que a escolha ética de um ser humano fazia. Esse limite, a seu ver, está sendo ultrapassado. “Quando nos deparamos com novas tecnologias que chegam aonde só o cérebro humano chegaria é momento de refletir”, disse.
Para o pesquisador e professor Diogo Cortiz, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, as informações sobre os trabalhos e profissões ameaçadas pelas inteligências artificiais (IAs) não passam de especulações. Isso porque, na sua avaliação, o processo de transformação ainda está em curso. “Não é novo na história humana que inovações matam postos de trabalho e criam novos. Com as IAs não vai ser diferente, só não se pode saber ainda em que velocidade e magnitude isso vai se dar”, afirmou.
Diogo afirmou que as inteligências artificiais estão no nosso meio já há algum tempo, a diferença de agora, contudo, é que elas estão ao alcance das mãos da sociedade, como é o caso do ChatGPT.
Diálogo social
Para Priscila Lauande, assessora da vice-presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os desafios quanto à evolução vão além do enquadramento jurídico dos novos modelos de trabalho, mas passam pelo debate ético e de transparência e necessitam, nesse momento de transição, de um diálogo social. “Os sindicatos têm papel fundamental nesse momento em que não há uma regulação específica, porque podem, de forma eficaz, tutelar a proteção dos direitos dos trabalhadores”, disse.
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias