Regulação eficaz e maior fiscalização podem ajudar a conter a crescente judicialização dos conflitos da saúde suplementar envolvendo as operadoras de planos de saúde. Essa foi a avaliação predominante no painel “Saúde suplementar na jurisprudência do STJ” realizado nessa quarta-feira (7/4), no Seminário Digital em Comemoração ao Dia Mundial da Saúde, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os desdobramentos dessa questão na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram apresentados pela ministra Maria Isabel Gallotti, que chamou a atenção para a complexidade do tema. Em sua análise, a estabilidade no sistema será gerada pela regulação e fiscalização e pela boa fé dos integrantes dessa cadeia.
“Princípios éticos e morais devem ser considerados por ambas as partes em relação contratual na qual o consumidor, sem dúvida alguma, é a parte vulnerável. Mas que, por outro lado, detém informações sobre a condição da sua própria saúde no momento da contratação que não são de conhecimento da operadora”, ponderou.
A ministra também comentou que os planos de saúde detêm, por sua vez, dados técnicos sobre moléstias e tratamentos que estão muito além da compreensão do consumidor comum. “E nesse mercado em que predomina a assimetria de informações avulta a importância da firme atuação da agência reguladora”, acrescentou ela em referência a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Nas decisões do STJ sobre a relação entre o cidadão e as operadoras, comentou a ministra, a segurança jurídica tem sido garantida nos limites dos contratos com base na Lei 9.656. Entre vários pontos relevantes, esse marco regulatório estabeleceu a obrigatoriedade de as operadoras oferecerem aos usuários os planos de referência com cobertura mínima na assistência privada à saúde, a partir dos quais os tipos de serviços prestados e os custos passaram a ser comparáveis.
O marco legal, no entanto, não evitou, ao longo dos anos, o ingresso na justiça de uma infinidade de demandas de alta complexidade. Os conflitos abrangem uma série de casos entre os quais acesso a tratamento de doenças raras e ultrarraras, tratamentos complexos para doenças tradicionais, acesso a medicações de alto custo e também aos sem registro na Anvisa e, ainda acesso aos chamados medicamentos off label (indicados por médicos para uso divergente da bula). Os processos abarcam, também, tempo de permanência dos usuários em ambulatórios e UTIs e validade ou não de prazos de carência para serviços de emergência e urgência, entre outras demandas.
Em meio a essa demanda crescente em um setor altamente regulado, Isabel Gallotti disse que a atuação judicial deve se ater à ilegalidade. “A intervenção do Judiciário para infirmar decisões da agência reguladora justifica-se, a meu ver, apenas em casos de manifesta ilegalidade. E, sobretudo, deve levar em conta a globalidade do sistema regulado, o que nem sempre é fácil de perceber a vista de casos individualmente considerados.”
Ela também disse que não se pode perder de vista que os direitos do paciente que demanda cobertura não contratada devem ser sopesados com os direitos dos demais participantes do mesmo plano, uma vez que pode ser impactado o valor da prestação a ser paga por todos os integrantes do mesmo grupo de apólice. “E ainda mais grave do que aumentar o custo do plano pode ser a inviabilização da atividade empresarial e pode acontecer quando decisões judiciais no curso de ações coletivas invalidam cláusulas contratuais baseadas em normas da ANS levadas em conta para o cálculo das mensalidades e adotadas pelo mercado.”
Conhecimento científico
Sobre esse complexo tema, o ex-conselheiro do CNJ e subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Arnaldo Hossepian, recomendou que os magistrados busquem, em seus julgamentos, o amparo do conhecimento técnico científico. Ele lembrou que o CNJ oferece o sistema e-NatJus, que fornece aos juízes subsídios técnicos para a tomada de decisão a partir de evidências científicas nas ações relacionadas à saúde pública.
“Há pareceres técnicos e notas técnicas que possibilitam ao magistrado ponderar bastante daquilo que está sendo pleiteado, fazer a análise econômica do direito e ver quanto efetivo será aquele medicamento em favor do paciente, do demandante, que muitas vezes pode ser levado a uma ilusão em acreditar que judicializar a esperança trará a ele qualidade de vida ou certeza de uma vida mais longeva”, observou Hossepian, que presidiu a mesa do painel.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
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