“Reforma será focada na demanda”

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O jornal Valor Econômico publicou, nesta terça-feira (06/02), entrevista concedida pelo conselheiro Joaquim Falcão ao jornalista Fernando Teixeira, onde ele fala sobre a Reforma do Judiciário. Leia a seguir a integra da entrevista:

 

"Reforma será focada na demanda"

 

Fernando Teixeira

 

Ainda em 2002, antes de assumir o Ministério da Justiça, Márcio Thomaz Bastos procurou o colega Joaquim Falcão para discutir a reforma do Judiciário. Jurista, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e estudioso da reforma, Falcão já tinha uma idéia mais ou menos definida de como ela deveria ocorrer. Primeiro, o governo deveria criar uma "secretaria da reforma do Judiciário" e selecionar projetos de lei já em tramitação no Congresso Nacional, ao invés de impor uma proposta nova. A reforma também deveria ser suprapartidária e envolver os três poderes em um pacto para viabilizar sua tramitação e evitar pressões corporativas.

O resultado hoje é bem conhecido: foi a fórmula posta em prática pelo Ministério da Justiça e que resultou na aprovação da Emenda Constitucional nº 45, a reforma de maior sucesso promovida pelo governo Lula – 13 anos após o início de sua tramitação na Câmara dos Deputados. Hoje conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicado pelo Senado Federal, Joaquim Falcão já enxerga uma nova fase para a reforma do Judiciário. Para ele, trata-se de uma simples equação de mercado: o equilíbrio entre oferta e demanda. Em outras palavras, o problema não é apenas tornar a Justiça mais eficiente, mas reduzir a demanda por serviços judiciais, ou seja, o número de ações.

 

Valor: A Reforma do Judiciário foi promovida, o CNJ está em pleno funcionamento e a reforma processual foi em boa parte concluída. E agora, para onde vai a reforma?

Joaquim Falcão: O Judiciário é um sistema em que há mais demanda do que oferta, ou seja, entram mais conflitos do que saem sentenças. A lentidão é exatamente o excesso de demanda diante da pouca oferta. A demanda se perde no sistema, demora muito e não sai em um tempo de pacificação social ou de pacificação econômica. Então, para pensar a reforma, você tem que pensar como atuar no lado da demanda e como atuar no lado da oferta. Atuar do lado da oferta significa ser mais eficiente, ágil e transparente. É uma eficiência gerencial do sistema.

 

Valor: E é esse o foco da Reforma agora…

Falcão: Não necessariamente, mas é o foco principal. Mas, por mais eficiente que seja a Justiça, a demanda vai crescer sempre muito mais. A reforma precisa frear o aumento da demanda. Então esse próximo ano vai ser fundamental para que este equilíbrio seja refeito. O Judiciário e a sociedade estão se conscientizando a atuar nas duas pontas.

 

Valor: Então a Reforma vai migra para a demanda?

Falcão: Não vai migrar, mas agora o foco deve estar nas duas pontas. Alguns sintomas apareceram em 2006 e vão crescer em 2007. O Movimento Nacional pela Conciliação é um deles: 52 tribunais participaram, 79 mil audiências foram previstas e 83 mil foram feitas. A importância do movimento, que é um fato novo, é que a administração da Justiça deixa de ser do Estado e das corporações. É um movimento de mobilização social, que incluiu psicólogos, juízes e professores. Ou seja, se até agora a questão da Justiça era uma questão do Congresso, nos últimos dois anos mostrou que é também do Executivo e do Legislativo, e agora se espalha para ser uma questão social.

 

Valor: Isso significa que o Judiciário se tornou democrático?

Falcão: A sociedade está se sentindo responsável e o problema chegou a tal ponto que não deve ser deixado apenas nas mãos do Estado. Outro exemplo: a ministra Ellen Gracie (presidente do Supremo Tribunal Federal) gosta de um projeto do CNJ que é a inserção social do preso, e que começa com um banco de dados da população carcerária do país. A ministra está buscando o apoio de quem? Da Associação Comercial do Rio de Janeiro e da Federação das Indústrias de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Há um fato novo e que as pessoas ainda não estão se dando conta: o problema da Justiça deixou de ser de um poder ou dos três poderes e passou a ser da sociedade.

 

Valor: Do ponto de vista da administração judiciária, o maior demandante sempre foi o poder público. O que fazer?

Falcão: Há outros movimentos para diminuir a demanda do Judiciário. Um deles é a súmula vinculante. O que eu não sei é se o governo fez previsões orçamentárias, porque ele vai ter que levar a sério a súmula vinculante, que em muitas questões vai implicar em ônus de alguns bilhões. A súmula vinculante não é um instrumento jurídico, é um item orçamentário. O governo não vai mais poder financiar seu caixa protelando ações judiciais com a individualização das demandas. A lentidão da Justiça vai deixar de subsidiar o fluxo de caixa do Tesouro. A lentidão é um dos subsídios invisíveis ao caixa, não somente por causa dos recursos, mas porque as ações são individualizadas, ou no máximo em grupos. É uma perspectiva liberal radical que não se pratica mais em nenhum país capitalista do mundo, pois todos eles têm o seu "class action". A disputa deixará de ser também um subsídio para as empresas, principalmente aquelas que lidam com um grande número de consumidores, como as de telefonia, energia, bancos etc. Há uma pesquisa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que mostrou que 16 empresas eram responsáveis por 80% das questões que iam aos juizados especiais do Rio. Então, a revolução da súmula não é uma revolução jurídica, é uma revolução que pode afetar as relações entre Estado e contribuintes/pensionistas e entre empresas e consumidores.

 

Valor: A súmula vinculante substitui a idéia que se fazia de que é necessário fazer pressão sobre o Executivo para ele desistir de litigar?

Falcão: Aí você tem uma terceira via de redução da demanda. O Poder Executivo, seja através da Advocacia-Geral da União (AGU), seja através das estatais, tem que mudar a política de que tem que recorrer em tudo. Por exemplo, a Caixa Econômica Federal estimo que gaste R$ 1 bilhão ao ano para manter seu departamento jurídico, com mais de um milhão de ações. Ela está começando a ver que esta política não pode continuar. Existe pressões sobre a AGU para que ela instrua os advogados e as procuradorias de que não pode mais ajuizar tantas ações. O grande fato político em 2007 será uma pressão de diminuição da demanda. Os responsáveis pelo aumento da demanda – primeiro o Estado e depois as grandes empresas – vão ter que criar mecanismos com uma outra lógica econômica.

 

Valor: Uma das idéias da reforma era tentar onerar os recursos…

Falcão: Isso já foi feito em um das leis da reforma infraconstitucional. Mas quando você onera, significa que a demanda já entrou no sistema, e o importante é você evitar que ela entre no sistema. E isso, para ocorrer, depende de um movimento cultural. Se você desobstrui o Judiciário de questões que poderiam não estar lá, você acelera a solução das questões que estavam lá. Uma medida positiva seria se o governo fizer um planejamento judicial, como as empresas fazem, porque a súmula vai implicar em desembolsos de caixa expressivos a partir dessas decisões que o Supremo pode tomar.

 

Valor: Controlar a demanda garantiria maior segurança jurídica?

Falcão: A insegurança jurídica, tão cara aos empresários, tem sido focada como resultado da insegurança da jurisprudência. Mas o mais grave é a insegurança administrativa. A lentidão causa mais insegurança jurídica do que uma ou outra decisão divergente. Daí porque a eficiência é essencial, é uma insegurança jurídica maior do que qualquer outra coisa.

 

Valor: Maior do que a mudança na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Supremo?

Falcão: Isso é assim no mundo inteiro, faz parte do jogo. A Suprema Corte americana muda de opinião sobre a pena de morte a cada três, cinco anos. A questão não é o Judiciário mudar de opinião, mas que sejam previsíveis as regras em que ele mude de opinião e que isso ocorra em um prazo razoável. (FT)