Integrante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o jurista argentino Eugenio Zaffaroni defendeu nesta terça-feira (7/6) a revisão do conceito presente na Convenção Interamericana de Direitos Humanos de que as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade a reforma e a readaptação social dos condenados. Para o ex-ministro da Suprema Corte Argentina, uma tática mais eficaz é oferecer a essas pessoas a possibilidade de serem menos vulneráveis frente ao aparelho punitivo do Estado.
“Dizer que tem que ser bonzinho, a pessoa pode ser ou não. O trato da vulnerabilidade é outro, é falar para a pessoa não ser idiota para não oferecer o rosto para o aparelho punitivo. Não vamos ter sucesso em todos os casos, mas temos uma massa de pessoas que precisamos tratar humanamente e esse é o caminho”, disse. O magistrado falou sobre o tema Controle de Convencionalidade no Sistema Carcerário durante o evento O Direito Internacional dos Direitos Humanos em Face dos Poderes Judiciais Nacionais, realizado conjuntamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na sede do Conselho.
O juiz Eugenio Zaffaroni destacou que em meados do século 20 preponderava a interpretação de que a privação de liberdade cumpria função ressocializadora com um sentido de neutralizar a periculosidade do preso, e que essa ideologia acabou fracassando, especialmente com o papel assumido pelas prisões de instituições totais e fechadas, onde todas as atividades dos presos são intramuros. Ele afirmou que essa constatação de fracasso levou a duas consequências – a primeira, a identificação de que as prisões estavam sendo usadas como medida de vingança e de contenção do preso. E a segunda, de que as prisões deviam ser usadas como instituições totais o mínimo possível.
Para Zaffaroni, o Estado tem que cuidar das pessoas que estão sob sua tutela e a jurisprudência já está buscando formas de evitar uma deterioração extra, além da própria resultante de uma instituição total como são os presídios. “Se ela [a prisão] é deteriorante sempre, temos que evitar uma deterioração desnecessária para não agravarmos as consequências”, completou. No Brasil, ele citou a situação gravosa vivida por mulheres que amamentam e menores que estão presos junto com adultos, além da situação de superlotação generalizada.
Segundo o magistrado, a maioria das pessoas está presa não tanto pelo que fizeram, mas sim por sua situação de vulnerabilidade social, especialmente devido à situação de desigualdade observada na América Latina. “Temos um processo de seletividade muito particular. No mundo todo as prisões estão lotadas de pobres, mas na América Latina isso é mais notório. São pessoas que respondem a um estereotipo. Temos minoria de psicopatas e de criminosos graves, e temos maioria de pessoas criminalizadas por crimes que não são graves”, afirmou.
Reconstrução
O reconhecimento das falhas do Estado no tratamento carcerário e a necessidade de os juízes brasileiros enfrentarem essa situação sem ideias pré-concebidas e com soluções de fácil alcance foi o tema abordado pelo coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz auxiliar da Presidência Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi. “Os juízes também são responsáveis pela crise penitenciária que atravessa o continente, e vivemos uma etapa necessária para discutirmos com maturidade proposta que possa reduzir danos”, disse.
De acordo com Lanfredi, a despeito do aumento exponencial do número de presos no sistema brasileiro, que tem o dobro da média mundial por habitantes (300 por 100 mil), o país não está conseguindo construir uma sociedade mais justa e menos desigual. Ele avaliou que os mutirões carcerários evidenciaram um Judiciário despreparado para atuar de forma estratégica na garantia dos direitos de quem está no sistema prisional, situação que vem sendo enfrentada pelo ministro Ricardo Lewandowski em sua gestão no CNJ, com iniciativas como as audiências de custódia e o programa Cidadania nos Presídios.
Para o magistrado, o CNJ pode usar suas atribuições constitucionais para que magistrados atuem conforme disposições legais e normativas relativas à defesa dos direitos humanos, incentivando um novo modo de agir do Judiciário. “Estamos convencidos de que no Brasil o Judiciário está testando novos modelos para minimizar danos de um modo assimétrico de atuar, que consistia em prisões sem resultados práticos e úteis”, completou.
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Deborah Zampier
Agência CNJ de Notícias