Redução do encarceramento demanda leitura crítica de causas, apontam especialistas

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O ministro da Corte Suprema Argentina e jurista Eugenio Raúl Zaffaroni, em conferência magna para especialização “Jurisdição Penal Contemporânea e Sistema Prisional”. Foto: Divulgação
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Com a proposta de que a magistratura tenha uma leitura sistêmica dos desafios penais da atualidade, o que inclui a necessária redução do encarceramento, foi realizada, no dia 3 de setembro, a conferência magna que encerrou o primeiro módulo da especialização “Jurisdição Penal Contemporânea e Sistema Prisional”. O curso inédito é uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

Para o conferencista Eugenio Raúl Zaffaroni, as saídas para a diminuição do encarceramento não estão somente no Direito Penal, mas também em decisões políticas de combate às desigualdades. “Cada um dos sistemas que fizeram época no Direito Penal respondeu a uma realidade política, social e econômica. Precisamos fazer as nossas doutrinas segundo os nossos momentos, nossa história e nossa realidade”, explicou ele, que é professor de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires e foi ministro da Suprema Corte Argentina entre 2003 e 2014.

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2020, o Brasil possui cerca de 734 mil pessoas privadas de liberdade. Com esse número, o país atinge a marca de terceira maior população carcerária do mundo. Já no ranking de aprisionamento, o Brasil possui 338 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, taxa que cresceu mais de 30% na última década.

A superação do sistema prisional como única saída foi defendida por Zaffaroni. “Temos uma criminologia científica e temos uma criminologia midiática. Esta criminologia midiática cria na sociedade uma imagem falsa do que é o sistema prisional, do que é delinquente e o que é criminalidade. E esses conteúdos carregam sentidos políticos também.”

Para o professor de Direito da Universidade de São Paulo Sérgio Salomão Shecaira e a juíza federal Caroline Somesom Tauk, é necessário redefinir as políticas de enfrentamento aos crimes de drogas, uma das principais portas de entrada no sistema prisional. “Não são os fatores externos ao sistema penal que fomentam o crescimento do cárcere. Ou seja, não é o aumento da criminalidade. Ao contrário, o aumento de taxas de encarceramento decorre exclusivamente dessas reformas legislativas que são punitivistas ao extremo”, destacou Shecaira.

Caroline Tauk enfatizou que as medidas de encarceramento têm prejudicado ainda mais as mulheres. “Já são dez anos da adoção das regras de Bangkok – regras das Nações Unidas para mulheres presas -, e a população carcerária feminina aumentou significativamente no mundo todo. Então, parece que a gente andou na contramão dessas regras. É importante a gente refletir qual o contexto que leva essas mulheres ao crime. A maior parte delas vem de um cenário de pobreza. São mães, vítimas de diversas formas de violência, em destaque a sexual, e recrutadas ao crime por seus maridos e namorados. E a resposta penal não faz uma abordagem com essa perspectiva do gênero.”

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, destacou que medidas como as audiências de custódia – que completaram seis anos em 2021 – são importantes para a diminuição da superpopulação carcerária. “Destaco a importância de debater o relevante tema do encarceramento. Este curso realça que o Judiciário brasileiro não está omisso diante dessa realidade.”

Especialização

A especialização é inédita e voltada para magistradas e magistrados como parte de produtos de conhecimento lançados pelo CNJ em 2020 com uma leitura atualizada sobre os desafios na porta de entrada do sistema prisional. Tanto o curso quanto os produtos integram as atividades do programa Fazendo Justiça, parceria iniciada em 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para avanços no campo penal. Na área das audiências de custódia, o programa tem o apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

O curso, iniciado em agosto de 2021, será realizado até maio de 2022 e envolve 40 magistrados e magistradas de todo o país com atuação na área penal. Entre os temas abordados, estão uma abordagem crítica sobre a efetividade do sistema penal no Brasil e no mundo, as audiências de custódia, as alternativas ao encarceramento e o controle da superlotação carcerária pelo Judiciário.

José Lucas Azevedo
Agência CNJ de Notícias

Reveja a conferência magna no canal do CNJ no YouTube