Debate sobre racismo e memória abre segundo dia do seminário sobre reconhecimento de pessoas

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Conselheiro José Rotondano no Seminário Internacional Provas e Justiça Criminal: Novos Horizontes para o Reconhecimento de Pessoas - Foto: Gustavo Lima/STJ
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O segundo dia do Seminário Internacional Prova e Justiça Criminal: novos horizontes para o reconhecimento de pessoas, que se realiza no Superior Tribunal de Justiça (STJ), começou com painéis que discutiram o papel do racismo e da memória nos erros judiciais. O evento é promovido pelo STJ, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Intitulado “O Racismo no Sistema de Justiça Criminal e o Impacto nas Decisões Judiciais”, o primeiro painel da manhã desta quinta-feira (10/10) teve a moderação compartilhada pela ministra do STJ Daniela Teixeira e pelo conselheiro José Rotondano, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ.

Com base em pesquisa sobre o julgamento de habeas corpus no âmbito do STJ ao longo de um ano, Daniela Teixeira afirmou que, das 174 ordens concedidas no período, 141 decorriam de reconhecimento por foto e 19 de reconhecimento pessoal, o que evidencia a falibilidade dos métodos empregados.

Segundo a ministra, a representação processual das pessoas acusadas nesses casos diz muito sobre seu perfil, uma vez que 96 dos habeas corpus foram impetrados pela Defensoria Pública, que, em geral, defende o “jovem pobre, negro e periférico”.

“Espero que tenhamos uma era de menos erros judiciários, de forma a permitir que a justiça seja efetivamente feita”, concluiu.

Estruturas racistas moldam práticas judiciais equivocadas

Fábio Esteves, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), apresentou uma análise crítica sobre o racismo estrutural e institucional que permeia o sistema de Justiça brasileiro. Ele destacou que os erros de reconhecimento fazem parte de um problema mais amplo, fruto de uma sociedade marcada pela discriminação racial. “O direito opera com base na tecnologia do racismo”, afirmou, destacando que as estruturas e crenças racistas moldam práticas judiciais equivocadas.

A procuradora de Justiça do Distrito Federal e professora universitária Anamaria Prates Barroso fez um panorama histórico da colonialidade da Justiça, apontando que a população negra vem sendo criminalizada desde o fim do século XIX. Para ela, é preciso enfrentar o racismo como uma questão central no sistema jurídico. “Deixar de questionar ações e omissões que afetam a população negra é um ato racista”, alertou.

Decisão do STJ foi um choque de legalidade

No painel “Reconhecimento de Pessoas e a Ciência: memória e erros honestos”, mediado pelo ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro e pela secretária-geral do CNJ, juíza federal Adriana Cruz, a discussão se concentrou na ciência por trás do reconhecimento de pessoas e no papel da memória nos erros judiciais.

O ministro ressaltou a importância da decisão do STJ no julgamento do HC 598.886, sob relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, que representou um “choque de legalidade” na aplicação das normas sobre reconhecimento de pessoas, já que, muitas vezes, no desejo de resolver o caso rapidamente, as vítimas e a polícia acabam cometendo erros.

A juíza Adriana Cruz reforçou que os atores do sistema de Justiça precisam estar atentos para perceber o racismo no dia a dia, uma vez que ele se faz presente em muitas dimensões.

A professora de Direito Jennifer Lackey, da Northwestern University, falou sobre a credibilidade excessiva dada ao testemunho ocular nos Estados Unidos e sobre como as técnicas de interrogatório e os procedimentos de reconhecimento enviesados podem levar a erros judiciais. Para ela, o testemunho ocular é uma prova altamente falível e precisa ser corroborado por outras evidências.

Protocolos para resguardar a vítima e evitar condenação de inocentes

William Cecconello, professor de psicologia da Atitus Educação e coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Cognição e Justiça, trouxe à tona o papel da memória humana e os “erros honestos” no reconhecimento de suspeitos. Ele explicou que a repetição de um reconhecimento equivocado cria um viés de confirmação. Cecconello também destacou que o problema não está no uso de fotos mas nos procedimentos adotados para realizar o reconhecimento por esse meio e recomendou o cumprimento das orientações da Resolução CNJ n. 484/2022.

Por fim, o professor de criminologia e Direito Penal Maurício Dieter, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), falou sobre os erros judiciais, especialmente os relacionados a crimes sexuais. Dieter enfatizou a importância de se adotarem protocolos rígidos para proteger a dignidade da vítima e para evitar acusações injustas contra inocentes, argumentando que a literatura técnica brasileira ainda precisa se aprimorar no estudo do tema. Antes de cada painel, foram exibidos vídeos com relatos de pessoas presas injustamente, vítimas de erro judicial.

Reveja o seminário no canal do CNJ no YouTube

 

Com informações do STJ

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