O desenvolvimento de uma legislação específica que proteja o segredo de negócio pode garantir segurança jurídica às empresas que investem em inovação no Brasil. Apesar de o país contar com leis referentes ao registro de patente e de combate à concorrência desleal, o roubo de segredos comerciais ainda não possui um delineamento para impedir esse tipo de crime como em outros países. O tema se insere na promoção da estabilidade e do ambiente de negócios para o desenvolvimento nacional, um dos eixos da atual gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em debate promovido na quinta-feira (11/3) pela revista Justiça & Cidadania, em parceria com o CNJ, os participantes ressaltaram a necessidade de o Brasil proteger melhorar seus mecanismos legais para atender a esse novo ramo do direito comercial. Um segredo de negócio é um conhecimento utilizável, de acesso restrito, lícito e que tenha valor econômico. A espionagem industrial, dessa maneira, precisa ser combatida e contar com mecanismos legais que garantam uma punição ao roubo dessas informações e uma proteção ao direito de inovação.
Dados apresentados pelo professor Ansgar Ohly – que atua na cadeira de Direito Privado, Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência na Universidade de Ludwig Maximilian, em Munique, na Alemanha -, a perda por espionagem industrial e outras formas de violação de segredos varia ainda entre 10 e 25 bilhões de euros anualmente. O acadêmico, que também atua como professor visitante na Universidade de Oxford, mostrou as mudanças na lei alemã e na União Europeia, que protegem o segredo de negócio. Ele destacou, no entanto, que, do ponto de vista jurídico, a questão ainda está se desenvolvendo gradualmente.
Ohly explicou que, na lei europeia e alemã, há aplicação desses direitos em âmbito penal, trabalhista e civil. Há um crime quando se trata da espionagem industrial e a proteção tem que ter efetividade para a área econômica, dando segurança às empresas e liberdade para que continuem investindo em inovação.
Na questão civil, nos casos de litigação, a empresa ou perde na Justiça ou perde o segredo, uma vez que precisa convencer o juiz de que aquela é uma informação sigilosa. Por isso, os tribunais têm adotado medidas para proteger a confidencialidade dos julgamentos, mas ainda esbarra no direito à informação pública e, mesmo que não haja divulgação, a outra parte pode participar das audiências. Com isso, na prática, isso pode representar uma exposição do segredo. “A lei alemã criou a obrigação de manter a confidencialidade, mas como o tribunal vai entender isso? As cortes podem classificar os documentos como confidenciais e restringir o acesso e procedimentos, mas ainda pode não ser o ideal.”
O ministro do Superior Tribunal de justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva lembrou que a questão ainda é novidade no Brasil. Há o direito de propriedade intelectual, de defesa da concorrência, registro de patentes, mas o segredo de negócio ainda é uma “zona cinzenta”, cujas regras para proteger a expertise ainda não estão definidas. “Não temos uma jurisprudência para a proteção do segredo comercial, pois, até o momento, ações indenizatórias têm se resolvido nas instâncias ordinárias e não chegaram às instâncias superiores.”
Cueva disse que é importante estimular a cooperação técnica entre países, a exemplo do que se vê no direito antitruste, no qual a adoção de boas práticas é permanentemente discutida em rede informal de autoridades e técnicos, o que pode garantir maior uniformidade, previsibilidade e segurança jurídica.
A juíza Caroline Tauk, do Tribunal Regional Federal da 2º Região (TRF2), mestre em Direito Público, ressaltou que é preciso equilibrar a livre informação e a proteção à informação. “Precisamos de precauções razoáveis para proteger o segredo comercial”. Ela lembrou que a espionagem industrial foi fortalecida pela tecnologia, dificultando o rastreio. “Pela análise econômica do Direito, temos mecanismos jurídicos para impedir essa prática. Na Lei de Propriedade Intelectual, por exemplo, há regras dentro da concorrência desleal que podem cobrir essa questão.”
“Falta conscientização ao Brasil da importância do tema da proteção do segredo de negócio”, afirmou o advogado especialista na área de Propriedade Intelectual Philippe Bhering. Para ele, a ausência de segurança jurídica, não há incentivo à inovação, ao investimento internacional no país, o que prejudica o desenvolvimento econômico e social. “Sem uma legislação específica, comprometemos a cadeia da proteção do know how, da inovação e do desenvolvimento.”
O também ministro do STJ Luiz Felipe Salomão, que mediou o debate, destacou que o desenvolvimento de uma legislação específica e as formas de aplicá-la no Brasil são desafios para o país. De acordo com ele, as experiências de direito comparado têm sido utilizadas nesses casos, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias