No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto. Essa violação de direitos que passa de mães para filhas há várias gerações tem retirado do ato de dar luz o sentimento de comoção e sensibilidade, transformando-o em um momento de sofrimento para as gestantes.
Quebrar esse ciclo de medo e indicar uma nova visão sobre o pré-natal, o parto e o pós-parto é a finalidade do projeto Capacitação e Informação no Combate à Violência Obstétrica, posto em prática no Mato Grosso do Sul por uma equipe de defensoras públicas e de assistência social. A iniciativa recebeu em 2019 o Prêmio Innovare na categoria “Defensoria Pública”.
O trabalho vem sendo realizado por essas profissionais desde agosto de 2017 junto a mulheres em grupos de gestantes, postos de saúde, maternidades e penitenciárias femininas.
Maus-tratos, xingamentos, chacota, indução desnecessária parto cesária, corte indiscriminado na região do períneo para ampliação do canal do parto (episiotonomia) e proibição de que a mulher esteja acompanhada durante o parto estão entre as violências obstétricas mais comuns enfrentadas pelas gestantes brasileiras.
Essas práticas, explica a defensora pública Thaís Dominato, geram sofrimento para as mulheres, desinformam e mantêm em nível elevado a mortalidade materna, com óbitos causados por hemorragias e infecções provenientes, em muitas vezes, de procedimentos obstétricos inadequados, obsoletos, invasivos e violentos.
Thaís Dominato faz parte da equipe premiada do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul (Nudem) e da qual fazem parte também as profissionais Edmeiry Silara Broch Festi, Thaís Roque Sagin Lazaroto e Elaine de Oliveira França.
Vencer resistências
Por um lado, o desafio do projeto tem sido vencer a resistência de profissionais de saúde à visão que considera esses procedimentos atos de violência obstétrica.
Por outro, a meta é atingir o maior número possível de mulheres, várias das quais sem informação e com conhecimentos arraigados de que tais condutas são naturais e decisões de equipes médicas não devem ser contestadas.
“É por isso que até hoje vemos muitas mães recomendando às filhas grávidas para não gritar durante o parto para que não sejam maltratadas”, diz a defensora pública. “E vemos que quando as mulheres têm acesso a informação, elas passam a reconhecer essas condutas como abusivas e saem das rodas de conversa com mais conhecimento e mais empoderadas.”
Nos últimos dois anos e meio, a equipe tem utilizado os recursos disponíveis no Nudem para participar de rodas de conversas com gestantes para difundir informações sobre os direitos durante o pré-natal, parto e pós-parto e sobre as práticas que caracterizam a violência obstétrica. A finalidade é quebrar um ciclo de sofrimento a fim de que a estória dessas mulheres não seja uma repetição dos maus-tratos sofridos pelas mães, tias e avós.
Na outra ponta desse trabalho, explica Thaís Dominato, estão as palestras e treinamentos feitos para os profissionais da área da saúde a fim de transmitir a atendentes, enfermeiros, médicos e estudantes de medicina os medos das mulheres em relação ao parto e a importância de mudança de procedimentos obstétricos violentos e defasados que podem, inclusive, levar à morte.
“Estamos falando de atendimento desumanizado, que desrespeita a autonomia e o protagonismo das mulheres, que não atende às normas do Ministério da Saúde e com intervenções médicas desnecessárias e prejudiciais”, acrescenta a defensora pública. Segundo ela, são situações que se tornaram comuns Brasil afora, com gestantes de todas as classes sociais, seja em estabelecimentos públicos de saúde, seja em maternidades do setor privado.
Desde que os trabalhos foram iniciados, as palestras, workshops, seminários, treinamentos e rodas de conversa contaram com a participação de 768 mulheres, a maioria gestantes, e 923 profissionais da saúde.
Cartilha
Em 2020, a equipe do projeto vai trabalhar na elaboração e divulgação de uma cartilha sobre esse tema, em parceria com as equipes responsáveis pelas políticas estadual e municipal de saúde pública.
As defensoras públicas e assistentes sociais envolvidas no projeto pretendem, também, distribuir nas maternidades e postos de saúde um questionário a ser preenchido por mulheres para obter das gestantes informações sobre o pré-natal, o parto e o pós-parto. Essa ação vai buscar identificar as impressões das gestantes sobre o atendimento e os procedimentos médicos. “É um trabalho de formiguinha, mas que é essencial e precisa ser feito”, conclui Thaís Dominato.
Sobre o Prêmio Innovare
O Prêmio Innovare é uma iniciativa do Instituto Innovare, com a parceria institucional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Conselho Federal da OAB, Associação Nacional dos Procuradores de República (ANPR), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, com o apoio do Grupo Globo.
Desde sua criação, em 2004, o Prêmio Innovare já recebeu mais de 6.900 trabalhos e premiou, homenageou e destacou 213 iniciativas que têm como objetivo principal aprimorar o trabalho da Justiça em todo o país, tornando-a mais rápida, eficiente e acessível a toda a população. No site do Innovare, é possível conhecer todas gratuitamente, utilizando a ferramenta de busca. A consulta pode ser feita por palavra-chave, edição, categoria, estado de origem e a situação da prática.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias