Projeto em Varginha recupera laços entre detentos e seus filhos

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A Comarca de Varginha (MG) recebeu, no dia 31 de julho, o auditor Matheus Tavares Perdigão Mendes, representante do instituto Innovare. O objetivo da visita foi conhecer o projeto Mães que Cuidam, inscrito no Prêmio Innovare, na categoria magistrado. De autoria da enfermeira Ângela Mara Toledo, a iniciativa é apoiada pelo juiz Oilson Hoffmann Schmitt, da Vara Criminal da comarca, e tem restabelecido os laços entre detentos e seus filhos por meio da capacitação e da educação básica, com o auxílio de profissionais especializados. Inicialmente voltado somente para mulheres, o projeto acabou se estendendo também aos presos.

Tudo começou com o trabalho voluntário de Ângela Toledo e duas colegas no presídio de Varginha. A enfermeira tomou contato com a realidade dos presos ao visitar uma pessoa conhecida na cadeia. Ela custeou e ministrou um curso de confecção de ovos de Páscoa como alternativa para as presas. A atividade teve excelente retorno e começou a abrir caminho para novas propostas.

“O que chamou minha atenção foi o sofrimento dos filhos. O Estatuto da Criança e do Adolescente protege a criança, mas, para ver os pais, os meninos ficam nus, são revistados e adentram um ambiente perigoso e hostil”, explica. O trabalho voluntário deu origem ao Núcleo de Capacitação para a Paz (Nucap), entidade não governamental mantida por um casal de empresários de Varginha, Cleber Marques de Paiva e Liliana Botelho Nogueira Paiva, do Armazéns Gerais Porto Seco, tendo como parceiros o Judiciário local, a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Pastoral Carcerária, a Prefeitura de Varginha, empresários e a comunidade.

O projeto permite que os recuperandos trabalhem e estudem, diminuindo dias de sua pena, a chamada remição. O diferencial do Nucap é a interação com a família, que ocorre ao longo do dia, e a possibilidade de as crianças aprenderem e se distraírem em um ambiente propício ao seu desenvolvimento, enquanto os pais estão ocupados com suas tarefas.

Segundo a enfermeira, que se tornou coordenadora do núcleo, não houve parcimônia na construção das instalações. O terreno para a sede foi doado pela paróquia Divino Espírito Santo. Situado num bairro nobre, em local aprazível, o Nucap, apesar da resistência inicial da comunidade, hoje está sendo bem aceito. Não há vigilância, mesmo tratando-se de reeducandos do regime fechado. A equipe é formada por uma psicóloga, uma pedagoga, uma enfermeira, uma assistente social, dois funcionários administrativos e um estagiário.

Convívio e transformação – O procedimento é criterioso: o reeducando selecionado no presídio é atendido no Nucap por uma enfermeira que faz seu perfil. Se precisar receber atendimento médico, ele é encaminhado ao posto de saúde e para a psicóloga. Havendo aceitação, ele é cadastrado no programa e passa a comparecer ao núcleo todos os dias, das 7h às 17h. Segundo o juiz Oilson Schmitt, em maio de 2012 o Nucap atendeu 507 pessoas, entre reeducandos e familiares. Em junho deste ano, foram 304 pessoas. As crianças são apanhadas em casa, com autorização do responsável por elas, e levadas ao local por um carro da prefeitura. Agentes penitenciários levam os reeducandos e vão buscá-los.

Em sua maioria, os beneficiados cumprem pena no presídio da cidade e na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Varginha. O núcleo também está aberto para egressos que, depois da prestação de serviços, continuam a frequentar o núcleo. De acordo com o juiz Oilson Schmitt, “paranaense de origem e mineiro de coração”, a proposta é oferecer a mães e pais uma oportunidade de pagar pelo que fizeram sem perder o convívio saudável e amoroso com suas crianças. Os filhos, por sua vez, são estimulados a evitar, no futuro, o caminho do crime.

“Selecionamos reeducandas que, por estarem presas, não tinham contato com seus filhos menores. Essas mães, no presídio, viviam na mais completa agonia, pois muitas, por questões pessoais, não tinham como contatar seus filhos”, explica Schmitt. De acordo com Ângela, detentos que atuaram em trabalhos de construção civil no Nucap também manifestaram interesse e passaram a ser incluídos.

O magistrado esclarece que, depois da triagem, os filhos passam a tarde ou a manhã com as reeducandas no Nucap de uma a três vezes por semana. Entre as atividades de laborterapia, estão cursos de canto, instrumentos musicais, culinária, artesanato e da prática de contar de estórias. Os assistidos recebem noções de educação alimentar e higiene pessoal. Crianças ou adolescentes com baixo rendimento escolar recebem aulas de reforço. Pais e filhos têm a opção de estudar e aprender juntos, com o auxílio de profissionais especializados.

Vidas renovadas – “Visamos a interação entre pais e filhos. O sucesso foi enorme e tão sensibilizador que dois reeducandos com sérios problemas com as crianças passaram a participar do projeto e hoje estão completamente integrados, notadamente nas práticas de canto e contação de histórias”, afirma o juiz.

Schmitt destaca outra ação em prol da cidadania: “Os participantes do projeto obtêm cédula de identidade. Há casos de reeducandos que tiraram todos os documentos, inclusive carteira nacional de habilitação, tudo pelo Nucap. Temos inscritos em concursos públicos que recebem orientação e acompanhamento. Dois deles foram aprovados no último certame da prefeitura”.

O juiz acrescenta que, atualmente, não faltam colaboradores para os projetos da comarca: “Um maestro vem de Três Pontas semanalmente para reger o coral de reeducandos do regime fechado. Os 15 cantores vêm se apresentando em igrejas e escolas, ocasião em que eles também podem dar palestras e falar de sua experiência”.

Tanto o magistrado como a coordenadora declaram acreditar que o reconhecimento do instituto Innovare, independentemente da concessão de um prêmio, fortalecerá o projeto, dando-lhe visibilidade e alcance. Um desafio que já se vislumbra é a inclusão de adolescentes em conflito com a lei no programa de artesanato. A proposta é que as oficinas sejam ministradas pelas presas, que passarão a atuar como multiplicadoras do que aprenderam.

Do TJMG