Vulnerabilidade social, gravidez na adolescência ou até mesmo violência doméstica estão entre os principais motivos para que uma mulher decida entregar, espontaneamente, seu filho para adoção. Nos últimos cinco anos, 63 gestantes das Comarcas de João Pessoa e Campina Grande foram acompanhadas pelo TJPB, por meio do Programa Acolher, que teve início em 2011. Deste total, 40 recém-nascidos foram efetivamente entregues para adoção. Houve quatro casos de mulheres que desistiram do processo em Campina Grande e 16 em João Pessoa, além de três registros de óbito durante o acompanhamento.
O Programa Acolher, que já funciona em algumas cidades da Paraíba, a exemplo de Cajazeiras e Patos, foi regulamentado pela Portaria nº 01/2014, redigida pelo coordenador estadual da Infância e da Juventude (Coinju) do TJPB, juiz Adhailton Lacet Porto. De acordo com a psicóloga da 1ª Vara da Infância e da Juventude de João Pessoa, Mariana Camilo Lopes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 13, §1º, também assegura que a mãe ou gestante que manifeste interesse em entregar o filho para adoção possa fazer de forma humanizada e sem constrangimento.
“A mulher deverá procurar ou ser encaminhada à Vara da Infância e da Juventude, órgão responsável por realizar o acompanhamento da gestante ou mãe, para atendimento inicial pela equipe técnica. Neste momento, a mulher é acolhida para que se entenda o contexto em que está inserida e as motivações para a entrega. Além disso, são esclarecidos todos os direitos e trâmites jurídicos necessários para a efetivação do seu desejo. O acompanhamento se dá através de atendimentos, orientações, visitas domiciliares caso haja o consentimento da mulher e encaminhamentos aos serviços públicos necessários, tudo sob a garantia de sigilo”, explicou a psicóloga da unidade judiciária.
Uma vez efetivada a entrega, a criança é encaminhada para adoção ou para entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional. Caso a mãe desista da adoção, a equipe deverá acompanhar por 180 dias. Segundo a psicóloga, depois de realizada a escuta da mãe, a equipe técnica elabora um relatório a ser apresentado à autoridade judiciária que, após o nascimento da criança, realizará uma audiência para que a mãe ratifique seu desejo de entrega em juízo, conforme o artigo 166, §1º, inciso I, do ECA.
“O consentimento é retratável até a data da realização da audiência e os pais podem exercer o arrependimento no prazo de dez dias, contados da data de prolação da sentença de extinção do poder familiar. Após este prazo, a genitora perderá completamente o contato com a criança, pois não terá acesso às informações contidas no processo de adoção, por se tratar de conteúdo sigiloso”, enfatizou Mariana Lopes.
Motivações
Dentre as razões que levam as mulheres a considerarem a hipótese da adoção, estão os seguintes motivos: pobreza e vulnerabilidade social; falta de apoio familiar; estar inserida em situação de violência doméstica; viver em situação de rua; dependência química; falta do desejo de maternar e escassez de políticas públicas que englobem qualificação profissional, geração de emprego e renda, quebra de ciclo de violência intrafamiliar, tratamento eficaz para dependência química, política ou instituição de acolhimento para mãe e filho, dentre outras demandas.
“A maioria das mulheres que expressam o interesse de entregar o filho para adoção está inserida em um contexto de vulnerabilidade social. Muitas, ainda, são adolescentes sem apoio da família, que também é pobre, assim como são vítimas de violência doméstica. No tocante às dificuldades que surgem após a decisão de entrega ser judicializada, a mulher enfrenta o estigma da ‘mãe que abandona’, assim como vivencia o luto pelo filho vivo. Para além da decisão de não maternar, a mulher lida com os desdobramentos, sociais ou subjetivos, da sua escolha”, destacou a psicóloga Mariana Lopes.
Tempo para refletir
A coordenadora do setor psicossocial cível da Vara da Infância e da Juventude de Campina Grande, Lavínia Vasconcelos, explicou que o Programa Acolher está em processo de formalização na Comarca, atendendo, prioritariamente, as gestantes que buscam espontaneamente o serviço. “Trabalhamos o acompanhamento desde a chegada no serviço até o puerpério. Quanto mais tempo para isso, melhor, uma vez que temos mais tempo para acolher, promover mais reflexões sobre a decisão, como as motivações, o desejo envolvido, o entendimento do futuro após a decisão, entre outros, e fazer as devidas articulações”, explicou.
De acordo com a coordenadora, todas as etapas do processo são esclarecidas desde o começo, bem como o direito ao sigilo e da decisão em entregar ou não o filho para adoção. “Embora a equipe da Vara da Infância já tenha inserção nos diversos espaços da rede a título de orientações sobre essa demanda, neste ano de 2020 estamos desenvolvendo uma agenda mais direcionada de ações para promoção e efetivação desses direitos”, frisou.
Fonte: TJPB