As penas de longa duração, como as previstas no Brasil e em outros países, são irracionais e alimentam a cultura do encarceramento em massa. Segundo o professor Álvaro Pires, da Universidade de Ottawa, do Canadá, a história do conceito de punição demonstra que prender muitas pessoas por muito tempo não é a forma adequada de se punirem os responsáveis por crimes. Na palestra que proferiu no 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em Salvador/BA, Álvaro Pires criticou as leis que aprisionam excessivamente os presos condenados no Brasil e em outros países, como os Estados Unidos da América (EUA). O tema do Fórum foi “Audiência de Custódia e a Desconstrução da Cultura do Encarceramento em Massa”.
Com base na obra “Vigiar e Punir”, do filósofo francês Michel Foucault, o professor relata que críticas às premissas da prisão como solução para a criminalidade são registradas na França desde a primeira metade do século XIX. Segundo ele, o sistema prisional já era visto desde aquela época como “quartéis do crime” que criavam um ambiente propício à formação de associações de criminosos ou “clubes antissociais”. As conclusões de dois congressos penitenciários – o primeiro realizado em 1847 e o outro, em 1945 – foram as mesmas e formuladas quase nos mesmos termos. “As prisões não diminuem as taxas de criminalidade, provocam a reincidência, e favorecem o encontro e a organização dos delinquentes”, resumiu o estudioso.
Para ilustrar o absurdo das condenações, Pires usou como exemplo a pena de James Holmes, homem que ficou conhecido como o assassino do Cinema Aurora, pelos 12 homicídios que cometeu em 2012, tendo sido condenado pela Justiça dos EUA a 12 penas de prisão perpétua, sem possibilidade de pedir liberdade condicional, além de 3.318 anos de prisão por outras condenações. “Não dá para dizer que é uma prisão irracional, porque nela há muitas razões. Podem não ser boas razões, mas são razões. Na verdade, é mais uma pena absurda que irracional”, disse o especialista em criminologia.
Punições – De acordo com o professor, a pena de privar os culpados do direito à liberdade sobrevive há séculos por uma questão de conveniência. A justificativa teórica do sistema prisional sempre acomoda o encarceramento como resposta ao crime. “O termo punição, castigo ou pena é indiferente, mas pode ser definido como um sofrimento que castiga e vinga o que o indivíduo fez. Essa noção vai entrar na primeira teoria retributivista, depois na teoria da dissuasão e finalmente na teoria da recuperação carcerária. As teorias da pena estão servindo para nós acomodarmos nossas filosofias diferentes e homogeneizar nossas práticas. Podemos ser deterministas ou seguir qualquer outra linha filosófica, desde que todo mundo vá para a prisão do mesmo jeito. Então trata-se de uma armadilha cognitiva”, disse.
Aumentar o tempo das penas com a atribuição de agravantes aos crimes também foi objeto da crítica do criminologista, para quem o recurso jurídico tem sido aplicado equivocadamente. Condenar por mais tempo com base na “periculosidade” do autor de um crime só deveria valer, segundo Pires, para casos muito específicos. “Se há um criminoso em série ou alguém que vai botar uma bomba numa creche, precisamos segurar essa pessoa, mas isso tem de ser visto como cláusula excepcional, e não como princípio para majorar a pena de qualquer crime. Para aumentar a pena, tem de estar justificado o interesse de periculosidade maior na segurança física dos outros, não em caso de fraude fiscal, por exemplo. Para esses casos, tem muitas outras maneiras de controlar sem precisar botar alguém na cadeia por 30 anos”, disse.
Perspectivas – Para mudar a abordagem do direito penal relacionada às punições, o estudioso defende uma maior liberdade de atuação para os atores do sistema de Justiça, inclusive magistrados, especificamente no que for discricionário (que caiba ao juiz decidir). “Dentro do poder discricionário do juiz, a possibilidade de recuar ou mudar qualitativamente a pena, para mim, faz parte das prerrogativas fundamentais de um Poder Judiciário porque é ali que o direito fiscaliza o respeito aos direitos humanos e o respeito aos valores do direito. Então sou favorável a essa margem de liberdade, eu só posso desejar para o Judiciário do meu país adquirir um pouco mais de espaço para poder defender o direito no momento da pena”, afirmou.
Massa prisional – O Brasil tem a quarta maior população carcerária do planeta em termos absolutos, 607 mil presos, segundo os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ). O número de presos quadruplicou desde 1995, quando havia cerca de 148 mil detentos nas prisões brasileiras. O programa Audiência de Custódia, implantado pelo CNJ em 2015, evita o aumento do contingente carcerário ao permitir que os magistrados avaliem a necessidade de manter os acusados de crimes presos em flagrante, tomando o depoimento do preso e ouvindo as manifestações da defesa, da promotoria e da polícia.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias