Prisão não deve ser contêiner de pessoas, diz pesquisadora

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Na 2ª conferência do Seminário Internacional Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo, o desembargador do TJPR Ruy Muggiati e a pesquisadora Piera Barzanó fizeram suas exposições. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ
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Em países onde a superlotação dos presídios é comum, torna-se prioritário um padrão mínimo de tratamento dos detentos conforme previsto nas Regras Nelson Mandela de condições dignas para prisioneiros adotadas pelas Nações Unidas. Como colocar em prática esse padrão e o papel do Poder Judiciário nesse processo foi o tema da conferência “Regras de Nelson Mandela como base para uma política judiciária”, realizada na quarta-feira (4/3), em Brasília, durante o Seminário Internacional Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo: questões estruturais e mudanças necessária.

A conferencista e pesquisadora italiana Piera Barzanó apresentou dados da experiência internacional de encarceramento. Segundo informações de 2016, entre 198 países, 115 possuíam lotação carcerária crítica. Desses, 79 países possuíam superlotação das unidades prisionais 120% acima da capacidade oficial e outros 51 mostravam uma superpopulação 150% maior que a capacidade. Em algumas situações, prisões em áreas urbanas chegam a ter 400% de lotação acima da capacidade.

Os dados, incluindo a atual situação brasileira, atestam a falta de cumprimento das Regras Nelson Mandela de tratamento digno aos presos. Entre 2000 e 2016, o número de pessoas presas triplicou no Brasil, com a população carcerária atingindo 726 mil pessoas. O aumento posiciona o país no 3º lugar no ranking mundial dos maiores encarceradores.

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A ausência de direitos humanos nas prisões se agrava, conforme expôs a conferencista, em um contexto mundial de discursos que priorizam o encarceramento como política de segurança pública, reforçado pela visão de curto prazo dos que formulam políticas públicas. “Prender deve ser o último caso e a prisão não deve ser usada como contêiner de seres humanos”, disse Piera Barzanó.

Reforma do sistema prisional

Apesar da situação comum de descumprimento dos direitos das pessoas privadas de liberdade, a conferencista citou países que, mesmo sem dispor de recursos extras, têm melhorado a administração das prisões e levado à frente reformas prisionais para resolver ou evitar o superencarceramento.

Esse tem sido o caso do Equador, Tailândia, Itália, Gambia, Argentina e Uruguai. As mudanças qualitativas de tratamento digno para presos incluem treinamento de agentes penitenciários, alteração de protocolos de atendimento aos encarcerados e política penal voltada para a aplicação de penas alternativas.

Em termos de política judiciária e penal, Piera Barzaró sugeriu uma mudança de perspectiva, lembrando que, em muitos países com superlotação carcerária, os juízes não visitam os presídios. “Os juízes devem estar conscientes do que o encarceramento representa na prática. Devem refletir sobre como será o encarceramento das pessoas que estão mandando para a prisão, porque, além do aspecto punitivo, há que se pensar no que vamos transformar essas pessoas. Muitas vezes, estamos transformando-as em animais”, avaliou.

Resgate de direitos

A conferência apresentou também experiência positiva desenvolvida no Brasil, com efeitos em redução da superlotação dos presídios sem a aplicação de verbas orçamentárias extras. A iniciativa foi apresentada pelo desembargador Ruy Muggiati, a partir de iniciativas em curso na Unidade de Progressão no Paraná.

Três anos atrás, teve início um trabalho de melhora das condições de vida dos detentos, através de ação de resgate de direitos que começou com cursos de justiça restaurativa para agentes penitenciários e administradores da unidade prisional. Transposta a resistência inicial, os próprios agentes penitenciários foram adotando e assimilando as ideias de resgate da dignidade dos presos à medida que o projeto avança.

O projeto é baseado no acesso dos detentos ao estudo e trabalho e na assistência multidisciplinar que dá ênfase à ressocialização. Os resultados são concretos: a unidade prisional apresenta 2% de reincidência entre os presos. “Nosso custo foi zero. O dinheiro que gastamos foi o mesmo que foi utilizado para manter uma unidade prisional falida. E o que fizemos foi reorganizar processos e condutas, não foi nada mais que isso”, resumiu Muggiati. O modelo de administração implantando na Unidade de Progressão do interior do Paraná está em expansão para outras 10 localidades do estado.

O Seminário Internacional Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo: questões estruturais e mudanças necessária foi organizado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) por meio do programa Justiça Presente e reuniu juízes, representantes do sistema de justiça criminal e pesquisadores.

Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias