Prioridade para a Justiça que recebe o cidadão

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Primeiro ponto de contato do cidadão com o Judiciário, o primeiro grau concentra 94% do acervo de processos no Brasil. FOTO: Dora Paula/TJAM
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Sobre o tripé da governança colaborativa e em rede, da distribuição equitativa do orçamento e da destinação proporcional da força de trabalho entre as duas instâncias pelas quais tramitam os conflitos não solucionados extrajudicialmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chega aos 15 anos de existência com bons resultados na implantação da Política Nacional de Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição. Pela primeira vez, a demanda processual média atribuída a cada servidor lotado no segundo grau de jurisdição superou a demanda do primeiro grau.

Primeiro ponto de contato do cidadão com o Judiciário, o primeiro grau concentra, conforme os dados mais recentes, 94% do acervo de 78,7 milhões de processos em tramitação no país. Essa é a instância composta por varas, juizados, zonas eleitorais e centros de conciliação, que recebem diariamente os mais variados tipos de embates vivenciados em esfera pública e privada. Quando não aceita, a decisão proferida pelo juiz de direto pode chegar à segunda instância, onde um colegiado validará ou não os argumentos de contestação. Aí, a estrutura é composta por gabinetes de desembargadores e secretarias de órgãos fracionários como turmas, seções especializadas e o tribunal pleno.

A disparidade entre o volume de trabalho e os recursos humanos e materiais disponíveis na primeira instância ficou patente nas estatísticas levantadas anualmente pelo CNJ. E, em 2013, um dado chamou a atenção: de cada dez processos que tramitavam nas unidades judiciárias de entrada da Justiça, somente três foram baixados, ou seja, completaram todo o ciclo de tramitação. Na segunda instância, essa taxa de congestionamento era menor em 26 pontos percentuais.

O primeiro sinal de alteração desta realidade apareceu em 2018. De acordo com o Relatório Justiça em Números 2019, os índices de carga de trabalho apontaram que a demanda por servidor da área judiciária no segundo grau foi de 130 casos novos. Já no primeiro grau, foi de 116 casos novos por servidor. Entre 2009 e 2016, o número de casos novos por servidor no segundo grau era menor do que no primeiro, indicando que a possibilidade de mobilidade de servidores dos gabinetes de desembargadores e secretarias de órgãos fracionários para o atendimento das demandas recebidas por varas e juizados, por exemplo.

Leia mais: Priorização do primeiro grau avança nos tribunais brasileiros

Foi em 2013 que o CNJ instituiu um grupo de trabalho encarregado de elaborar estudos e apresentar propostas, ações e projetos para implementação de uma política nacional para a priorização do primeiro grau de jurisdição nos tribunais brasileiros. Além da realização de concursos públicos para contratação de servidores para atuar nas inúmeras comarcas do país, as medidas adotadas incluíram a realocação de recursos humanos que atuavam em tribunais de segundo grau para reforço das equipes de profissionais que atendem à primeira instância.

Implantação em rede

Secretário-geral do CNJ em 2009 e 2010 e conselheiro do órgão entre 2013 e 2015, o juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 10a Região (Distrito Federal e Tocantins) Rubens Curado foi o responsável pela condução das ações para a definição da política nacional. Ele destaca que essa política foi a primeira fundamentada na coleta de dados estatísticos, trazidos pelo Relatório Justiça em Números.

“Em 2009, foram revistos indicadores e, em 2013, a base de dados foi consolidada. Essa medida mostrou que o primeiro grau era o gargalo do sistema judiciário, onde ocorria o maior número de processos pendentes”, relata. Segundo Curado, havia desequilíbrio no número de servidores. “O percentual de servidores era muito baixo no primeiro grau que, por sua vez, abrigava o maior número de processos. Assim, foi detectada a necessidade de canalizar esforços para reforçar o primeiro grau”, recorda.

O relatório do grupo de trabalho foi apresentado em três meses, contendo as diretrizes a serem adotadas nacionalmente para aprimorar a operação das unidades do primeiro grau de jurisdição. Um marco foi a aprovação, pelos dirigentes dos 90 tribunais brasileiros reunidos no VII Encontro Nacional do Poder Judiciário, em novembro de 2013, da diretriz estratégica para adoção de medidas conjuntas para dar prioridade ao primeiro grau. A diretriz enuncia o compromisso público das Cortes brasileiras de equalizar os recursos orçamentários, patrimoniais, de tecnologia da informação e de pessoal entre primeiro e segundo grau para aperfeiçoar os serviços judiciários de primeira instância.

Ao longo dos primeiro cinco meses de 2014, uma série de consultas públicas, audiências, encontros e reuniões sobre o tema forneceu subsídios para a adoção de medidas que possibilitaram a concretização da política de priorização do primeiro grau. Todo esse trabalho culminou, em 26 de maio de 2014, na publicação da Resolução CNJ n. 194, que instituiu a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição. Nela, estão elencadas as nove linhas de atuação da política, incluindo a governança colaborativa e o diálogo social e institucional. A norma também definiu a composição da Rede de Priorização do Primeiro Grau e dos Comitês Gestores Regionais. Eles têm a atribuição de, entre outras, disseminar iniciativas, dificuldades, aprendizados e resultados no caminho da priorização.

Em 3 de junho do mesmo ano, saiu a Resolução CNJ n. 195, que dispõe sobre a distribuição de orçamento nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo grau. Entre os critérios a serem observados na destinação de recursos está a média do número de processos ingressados e distribuídos ao primeiro e segundo grau nos três anos anteriores e o acervo de processos pendentes, em especial quando a diferença entre as taxas de congestionamento de primeiro e de segundo grau for superior a 10%. Nesse cenário, a prioridade é o primeiro grau.

Já a Resolução CNJ n. 219/2016 regulou a distribuição de servidores, de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo grau. Ela foi publicada em 26 de maio de 2016. Rubens Curado explica que as três resoluções formam a trilogia que instituiu a política de priorização do primeiro grau. “A 194 contém orientações genéricas. A 195 trata do orçamento e buscava a equalização entre primeiro e segundo grau. A 219 cuida do equilíbrio na distribuição dos servidores. Foi a mais importante e, por isso, demorou a ser aprovada”, relembra, enfatizando que a última foi a resolução mais controvertida e a que encontrou maior resistência. De acordo com Curado, as resoluções 194 e 195 não mexiam na estrutura do Judiciário.

Mudança cultural

A Resolução n. 219, por sua vez, levou um ano e seis meses para ser aprovada. Curado ressalta que a política de priorização previa a saída de servidores do segundo grau para o primeiro grau, como forma de reforçar o segmento que apresentava o maior gargalo. “Três pontos geraram resistência: número de servidores, a quantidade de cargos em comissão e o total de funções de confiança. Os tribunais não queriam perder a estrutura que existia no segundo grau”, afirma.

O ex-conselheiro do CNJ recorda que, mesmo após a aprovação e edição da Resolução n. 219, foram abertos dezenas de procedimentos e apresentadas inúmeras reclamações pelos tribunais questionando as determinações que ela contém. “As medidas adotadas afetavam a concentração de poder na cúpula. Eram desembargadores com dezenas de servidores. Isso criou dificuldades para a equalização de servidores conforme a demanda do Judiciário. Considero tais resistências injustificadas e não republicanas. Mas elas integram a cultura e sempre têm resistência a mudanças”, declara.

Ele lembra que, no decorrer da implementação das medidas, identificou-se tribunal em que 18 desembargadores dispunham de cerca de R$ 13 milhões para pagamento de cargos em comissão nos gabinetes. Ao mesmo tempo, para as 180 varas do estado, era destinado o valor de R$ 6 milhões. “Isso revela a dimensão do problema que começamos a corrigir. Ali, dois terços dos recursos ficavam com o segundo grau, enquanto apenas um terço era destinado ao primeiro grau”, esclarece.

Na avaliação de Curado, ainda existe um gargalo, mas o primeiro grau de jurisdição está muito melhor do que quando se iniciou a implementação da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição. “Hoje ainda está longe do ideal, mas os números mostram que as ações deram resultados. Está muito melhor. Antes era o grande gargalo do Judiciário. Hoje, já consegue dar conta dos processos”, afirma.

O Painel de Acompanhamento da Política Nacional de Priorização do Primeiro Grau, disponível no Portal do CNJ, apresenta o histórico dos avanços estatísticos proporcionados pela política. “O Relatório Justiça em Números é outra fonte que revela os resultados práticos e concretos na performance do primeiro grau. Ele mostra também a distribuição de servidores, com o percentual de funcionários em cada grau de jurisdição e a taxa de congestionamento processual, que é inferior àquela registrada há cinco anos”, observa.

Rubens Curado enfatiza que a questão envolve uma mudança cultural, o que leva tempo para ser internalizada. “Trata-se de uma política permanente entre as principais políticas públicas implementadas pelo CNJ, que se mantém atento à concretização da priorização do primeiro grau”, ressalta. Segundo ele, é perceptível que, atualmente, o primeiro grau está menos sobrecarregado. “Os números revelam os resultados concretos da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição. A razão de ser de uma política são os bons resultados já alcançados”, conclui.

Este texto faz parte da série comemorativa dos 15 anos do CNJ. Conheça aqui outros momentos dessa história

Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias