Prioridade Absoluta: associação oferece tratamento sistêmico a crianças e jovens vítimas de violência

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Foto: Arquivo
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Ao vislumbrar um crescimento social, é quase automático pensar no investimento na educação formal. Entretanto, por diversas vezes, deixa-se de lado aspectos ligados ao crescimento socioemocional de crianças e adolescentes. Muitas vezes, os pequenos, muitas vezes, são submetidos a violências invisíveis, que não provocam marcas visíveis, mas podem deixar marcar profundas.

Pensando no impacto desses traumas na vida de crianças e jovens, a Associação dos Amigos do Hospital de Clínicas desenvolve trabalho que presta assistência a crianças e adolescentes vítimas de todo tipo de violência, em especial em casos graves ou gravíssimos, assim como seus familiares. Trata-se do Programa Dedica (Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente), que venceu o Prêmio Prioridade Absoluta 2022, Eixo Protetivo, Categoria Empresas e Sociedade Civil Organizada.

A pediatra e psicanalista Luci Pfeiffer, coordenadora do Dedica, ressalta que o crescimento da sociedade em todas as esferas depende diretamente do cuidado com a criança e com o adolescente em todas as esferas. “Se queremos uma sociedade melhor, nós devemos deixar de deformar as crianças”, explica.

Segundo especialistas, crianças vítimas de violência precisam de acompanhamento, uma vez que essas situações geram impactos diretos no comportamento e podem provocar retraimento, dificuldade de aprendizado ou até mesmo agressividade.  Segundo a coordenadora do projeto, o indivíduo nos primeiros anos de vida aprende e assimila tudo ao seu redor e, por isso, não nasce agressivo, mas se torna, graças à exposição a outras situações de violência.

Luci destaca também que, na maior parte das vezes, a violência é crônica, fruto de uma reação em cadeia. É o avô que é violento com o pai, que é violento com o filho. Presos nesse ciclo, parece não haver outra forma de educar ou conviver com a família. Essa cadeia de violência compromete a integridade e o caráter das pessoas na vida adulta.

Daí a importância de o programa atender toda a família: a criança violentada, os irmãos, os pais. O atendimento prestado pela Associação Amigos do HC é humanizado, com a intenção de dar respeito e dignidade à criança e aos seus familiares. A coordenadora explica que o primeiro passo é afastar a criança do convívio do agressor, pois é muito comum ela achar aquela situação ordinária, já que nunca passou por nada diferente. Em casos mais extremos, é necessário também retirar da criança o sentimento de responsabilidade. “Ela acha que merece aquela violência, que precisa despertar o amor de um familiar”, explica a pediatra.

Atendimento interdisciplinar

Com um espaço próprio, o Programa atende de 30 a 40 pessoas por dia, entre crianças, adolescentes e familiares. A demanda de atendimento é externa ao programa, com pacientes encaminhados pelo Complexo Hospital de Clínicas, Ministério Público, Varas da Infância, conselhos tutelares, delegacias e outros centros de atendimento e proteção. As ações, desenvolvidas por 22 profissionais, são oferecidas de forma gratuita e interdisciplinar, com profissionais da área médica, psicológica, psiquiátrica, social, proteção legal e psicanalítica às vítimas e responsáveis. O atendimento também é estendível aos agressores, quando forem passíveis de tratamento.

Pela abrangência do trabalho, Luci explica que o atendimento segue metodologia muito bem sistematizada. Primeiro, realiza-se o diagnóstico da criança e levanta-se a necessidade de afastá-la da família, caso o agressor esteja em casa. Em seguida, é necessário também estabelecer uma avaliação do agressor, para entender se ele também é tratável. Por vezes, fruto do ciclo crônico da violência, as ações do programa chegam tarde demais. O agressor não se arrepende, não sente culpa, acha que a criança merece e, mesmo sendo punido, vai violentar novamente. “A violência faz parte da estrutura psíquica dessa pessoa”, explica.

Após essa avaliação, o plano de ação é construído com contornos bem delimitados a fim de garantir a melhor atenção aos envolvidos, que passam por avaliações periódicas. O Programa Dedica completou seis anos em 2022.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), considera-se violência o uso intencional de força física ou poder, praticado ou em nível de ameaça, que tenha resultados negativos como sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. O Dedica atende crianças que, ao se culparem pela violência que sofreram, praticam a autoagressão. A coordenação da ação, já atendeu crianças que tentaram suicídio aos 5 anos tamanho o sofrimento psíquico que enfrentavam.

Crianças e adolescentes podem ser vítimas de todo tipo de violência, como física, sexual, psíquica, negligência ou violência no mundo virtual. O abuso sexual representa 75% das praticadas contra crianças e adolescentes, sendo mais da metade das vítimas com idade entre 1 a 9 anos. Segundo o Ministério da Saúde, a maioria dos casos acontece em casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares.

Agressão velada

A violência psicológica ou psíquica é a mais difícil de se identificar e, segundo Luci Pfeiffer, a mais velada. A vítima não tem consciência de que está sendo violentada por falta de maturidade emocional ou acreditar que aquele tratamento é normal. São ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal, xingamento, ridicularizarão, exploração ou intimidação que possa comprometer o desenvolvimento psíquico ou emocional.

“A sociedade não tem consciência de que a criança, desde o nascimento, tem emoções, e os maus tratos e os abusos deixam marcas”, alerta a médica. A vítima desse tipo de violência apresenta sinais, como atraso do desenvolvimento psicomotor; deficiências na fala, como gagueira; dificuldade de aprendizagem; baixa autoestima e autoconfiança. As consequências também se manifestam no comportamento da criança, que pode ter ansiedade, angústia, comportamentos obsessivos, compulsão, tiques e manias, bem como hipoatividade ou hiperatividade e déficit de atenção.

A maioria dos agressores não têm distúrbios psiquiátricos. Existem, mas são raros. A coordenadora do programa ressalta que os agressores podem estar em qualquer lugar, em todas as classes sociais, desde a periferia até às elites econômicas. A coordenadora finaliza: “A capacidade de ser curado não depende de uma psicopatia”.

A associação, fundada em 1986, nasceu da sensibilização do reitor da Universidade Federal do Paraná ao deparar-se com a situação do Hospital das Clínicas. Os Amigos do HC já detêm o título de Utilidade Pública Federal, permitindo que empresas doem à associação e abatam o valor de seu imposto de renda e, em 2007, conquistam o cadastro no Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA) e passam a captar recursos de imposto de renda em todo Paraná. Em 2016, o Programa Dedica foi oficialmente integrado aos Amigos do HC e inauguram uma sede para o programa.

Para além dos atendimentos, o Dedica também age como centro de estudo, pesquisa e formação de profissionais para o enfrentar a violência contra crianças e adolescentes. Eventos, palestras, conferências, cursos, presenciais e via web, são realizados para sensibilizar amais pessoas sobre a causa. O programa também desenvolve e disponibiliza materiais educacionais para todo território nacional e outros países.

Texto: Thiago de Freitas
Supervisão: Thaís Cieglinski

Agência CNJ de Notícias

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