Presos provisórios são prioridade em projeto de ressocialização no MT

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A Cadeia Pública de Alto Araguaia/MT, a 400 quilômetros de Cuiabá/MT, é uma das poucas unidades prisionais do país em que presos provisórios (ainda não julgados) têm acesso a ações de reinserção social. Eles participam, junto com condenados, do projeto Educando para Recuperar, que oferece estudo, formação musical, capacitação profissional e trabalho. Criado em 2010 em uma parceria entre o Ministério Público e a Comarca de Alto Araguaia, o projeto está em sintonia com as ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) voltadas aos presos provisórios, que representam 41% da população carcerária brasileira.

“Infelizmente, ainda são exceções os estabelecimentos que têm estudo e trabalho para presos provisórios. Mas há uma tendência irreversível; cada vez mais estão surgindo iniciativas para esse público. Eu penso que se a LEP (Lei de Execução Penal) coloca o trabalho como direito do condenado definitivo, mais justo ainda é que também o preso provisório tenha esse direito, porque ele não tem uma condenação definitiva e há o princípio da presunção da inocência”, afirmou o promotor de Justiça Márcio Florestan Barestinas, um dos idealizadores do projeto.

Segundo ele, “o preso provisório não pode ser tratado de forma pior do que aquele que tem uma condenação definitiva, além do fato de que muitos presos provisórios acabam sendo absolvidos no processo”. Para o promotor, o fato de muitos desses detentos aguardarem julgamento no ambiente hostil das prisões, por longos períodos de tempo, torna fundamental a adoção de iniciativas para prevenir que eles sejam cooptados por facções criminosas.

Ele também informou que 80% dos 46 detentos da Cadeia Pública de Alto Araguaia são provisórios. A presença de condenados na unidade prisional, originariamente projetada para abrigar presos provisórios, deve-se à falta de vagas no sistema carcerário, explicou. Isso contribuiu para que hoje o local esteja com uma ocupação acima de sua capacidade, de 30 vagas.

Atividades – O projeto Educando para Recuperar tem, no momento, a participação de 60% dos internos da cadeia pública. Ele viabilizou a construção de duas salas climatizadas para aulas de música, de informática e dos ensinos fundamental e médio – essas últimas ministradas por professor contratado pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos. Também foi possível a instalação de uma unidade de produção têxtil e de um setor de fabricação de tijolos ecológicos e bloquetes (utilizados na construção de calçadas).

Segundo o promotor Márcio Barestinas, a unidade têxtil da cadeia pública é responsável pela produção dos lençóis utilizados pelo Hospital Municipal de Alto Araguaia e dos uniformes dos alunos da rede de ensino do município. Periodicamente, os uniformes são entregues pelos detentos aos alunos em solenidades no fórum da cidade. Esses encontros são carregados de emoção, frisou o promotor.

O trabalho na cadeia pública rende aos detentos, provisórios e condenados, remuneração equivalente a três quartos do salário mínimo, paga pela Prefeitura de Alto Araguaia, com base em lei municipal. No caso dos condenados, eles também recebem o benefício legal da remição, que reduz o tempo da pena em um dia a cada três trabalhados. Em relação aos apenados que frequentam a escola no local, eles contam com o benefício da remição pelo estudo – um dia de pena a menos a cada 12 horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em três dias.

O promotor destacou que o fato de estarem estudando, e em um local bastante confortável, tem reforçado a autoestima dos detentos. “As salas de aula têm ar-condicionado e eles observam que está havendo uma preocupação em recuperá-los, em inseri-los, afirmou o promotor.

Balanço – Em cinco anos de execução, o projeto já beneficiou um total de 200 detentos, condenados e provisórios. Segundo o promotor Márcio Barestinas, vários deles, após conquistarem a liberdade, conseguiram emprego e reconstruíram suas vidas. Um, por exemplo, foi aprovado em concurso público da Prefeitura de Alto Araguaia. Outro, após fazer curso de soldador no Senai, conseguiu emprego em uma empresa da cidade e hoje exerce cargo de chefia.

Além do promotor Barestinas, o projeto foi idealizado pelos juízes Wagner Plaza Machado, Carlos Augusto Ferrari e Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT). A iniciativa é executada por meio de parceria entre o Ministério Público, a Comarca de Alto Araguaia, o Conselho da Comunidade local, a Prefeitura Municipal, a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a Universidade do Estado de Mato Grosso, empresas, mídia local e religiosos.

Os recursos aplicados no Educando para Recuperar são oriundos de verbas de transações penais e de multas impostas em termos de ajustamento de conduta firmados pelo Ministério Público para a reparação de dano moral coletivo. Esses valores foram repassados ao Conselho da Comunidade de Alto Araguaia, encarregado de sua gestão.

Além disso, o conselho comunitário levantou fundos por meio do leilão de madeiras apreendidas judicialmente. Em breve, uma máquina de produção de tijolos ecológicos e bloquetes, adquirida recentemente pela entidade, também será utilizada para auxiliar o trabalho dos detentos da Cadeia Pública de Alto Araguaia.

Preocupação – A situação dos presos provisórios é uma das principais preocupações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Grande parte deles, em função da demora na definição de seus processos, é obrigada a viver por tempo prolongado no ambiente hostil das prisões, mesmo sem condenação. Para reverter esse quadro, o CNJ lançou, em fevereiro, o projeto Audiência de Custódia, que obriga as autoridades policiais a apresentarem a pessoa presa em flagrante ao juiz num prazo de 24 horas.

Nesse tipo de audiência o juiz decide, com base na gravidade do suposto crime e das circunstâncias da prisão, se mantém o encarceramento ou autoriza a pessoa a responder ao processo em liberdade. Na segunda hipótese ela poderá ser obrigada a cumprir medidas cautelares, como, por exemplo, o uso de tornozeleiras eletrônicas e o comparecimento periódico ao juízo.

Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias