O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que o trabalho escravo não é apenas uma questão da Justiça do Trabalho, mas de todas as autoridades que atuam para a concretização dos direitos humanos. Nesse sentido, ressaltou, o CNJ pretende assumir um papel de grande protagonismo nessa luta contra a exploração do trabalho escravo ao criar um fórum de juízes de todos os ramos da magistratura brasileira.
A declaração do ministro foi na abertura do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET), realizado na segunda-feira (1º/02). A cerimônia ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF), e contou com a presença do Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi.
Criado pelo Plenário do CNJ na última sessão de 2015, o FONTET tem por objetivo, dentre outros, promover o levantamento de dados estatísticos relativos ao número, à tramitação, às sanções impostas e outros dados relevantes sobre inquéritos e ações judiciais que tratem da exploração de pessoas em condições análogas à de trabalho escravo e do tráfico de pessoas, além de debater e buscar soluções que garantam mais efetividade às decisões da Justiça.
“Apesar de formalmente libertos os escravos, esse flagelo, que não é só brasileiro, mas de toda humanidade, continua assolando a harmonia da vida social, esgarçando o tecido que faz com que os cidadãos brasileiros atuem ombro a ombro em benefício do bem comum, e é, portanto, algo que deve ser combatido com a maior energia possível por parte de todos os órgãos públicos e em especial do Poder Judiciário”, disse o ministro Lewandowski.
O conselheiro do CNJ e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Lelio Bentes, ressaltou a necessidade do Fórum, que alcança magistrados de todas as jurisdições e regiões do país e que se comprometem a dedicar o tempo a esta causa. “O FONTET propicia aos membros do Judiciário um espaço de interlocução permanente, de troca de experiências, de concepção de novos instrumentos e replicação das boas experiências para que possamos pôr fim a essa terrível mazela que é o trabalho escravo”, afirmou o ministro Lelio Bentes.
Prêmio Nobel – O Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, relembrou, durante a abertura do FONTET, um episódio que ocorreu na primeira vez que visitou o Brasil há 19 anos, em Sergipe. O ativista relatou que um grupo de crianças estava sentada ao seu redor e perguntou a um garoto, de cerca de dez anos, que tinha os dedos machucados, o que ele fazia. “Ele me perguntou se eu já tinha bebido suco de laranja e disse que crianças como ele é que colhiam as laranjas nas plantações, machucando os dedos”, conta Satyarthi. Para ele, muitas vezes a questão da escravidão é simplificada ou reduzida ao problema da pobreza ou da superpopulação. “Não há desculpas para a escravidão, liberdade não é negociável”, observou.
Nascido em 1954, Kailash Satyarthi formou-se engenheiro elétrico, mas abandonou a carreira para se dedicar à eliminação da exploração do trabalho infantil. Desde os anos 1980, contribuiu para resgatar cerca de 80 mil crianças escravizadas. Também liderou a elaboração de um modelo de educação e ressocialização delas. Tornou-se mobilizador global no processo de criação da maior rede mundial de entidades da sociedade civil para a defesa de crianças exploradas, a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil (Global March Against Child Labor), que une organizações não-governamentais e sindicatos de todo o planeta.
Novas características – Outro aspecto abordado pelo ministro Lewandowski durante a abertura do FONTET foi a nova face que o trabalho escravo adquiriu à medida em que a história evoluiu. “Temos hoje migrantes haitianos, coreanos e bolivianos que, nos centros urbanos, são explorados como escravos, portanto uma nova faceta desse velho problema do trabalho escravo, que antes imaginávamos limitado às áreas rurais”, disse o ministro.
Trabalho escravo – Nos últimos 20 anos, cerca de 50 mil pessoas foram libertadas de condições análogas à de escravo nas quase 1,8 mil ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Os valores das indenizações cobradas dos empregadores flagrados (correspondente às verbas trabalhistas não pagas aos trabalhadores) ultrapassam R$ 86 milhões.
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias