Presença da Justiça em locais remotos e aplicativos ampliam atendimento a vítimas de violência

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O desembargador Álvaro Kalix Ferro coordenou a ação - Foto: Ascom TJRO
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Milhares de mulheres em todo o país têm recebido apoio do Poder Judiciário para protegerem-se da violência. Ações realizadas pelos tribunais brasileiros buscam acelerar o processo de concessão de medidas protetivas e oferecer segurança quando essa medida é descumprida. Além disso, as cortes desenvolvem ações para fortalecer a rede de atendimento que trabalha alinhada e voltada ao propósito da contenção, minimização e combate à violência contra a mulher. 

Iniciativas vencedoras na categoria “Tribunais” do Prêmio Viviane do Amaral – reconhecimento dado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a projetos voltados à prevenção e ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher -, por exemplo, continuam dando resultados e ampliando suas atividades.

Implantado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o aplicativo “Maria da Penha Virtual” permite vítimas solicitem medida protetiva on-line, pedido que é encaminhado automaticamente para o juiz competente. A ferramenta pode ser acessada de qualquer dispositivo eletrônico, por meio de um link que não fica registrado no histórico, ou seja, não pode ser rastreado, o que garante a segurança da vítima. 

Vencedor da primeira edição do Prêmio Viviane do Amaral, em 2021, o aplicativo da corte fluminense é acessado por mulheres de todas as classes sociais. Segundo a juíza Elen de Freitas Barbosa, do Juizado Adjunto de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da comarca de Três Rios e integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (COEM/TJRJ), a ferramenta ajuda porque traz mais rapidez ao pedido de proteção. 

A tecnologia foi desenvolvida pelo Centro de Estudos de Direito e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEDITEC/UFRJ) e implantado em alguns municípios do Rio de Janeiro, em 2020. Dois anos depois, a ferramenta já estava acessível para todos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Estado. Desde o início do projeto, o aplicativo já registrou mais de 6 mil pedidos de medida protetiva. Para a magistrada, a ferramenta tem permitido que mais mulheres consigam sair do ciclo da violência. Em janeiro de 2023, por exemplo, 161 pedidos foram registrados pelo aplicativo e, em dezembro, o número ficou em 368.  

O projeto também conta com a parceria do governo estadual que traz informações sobre o aplicativo em todas as suas campanhas. Mesmo pedindo a medida protetiva on-line, a vítima recebe a orientação para procurar a polícia e os serviços de saúde, caso necessite. “Caso ela não consiga relatar o que está acontecendo, uma equipe técnica poderá entrar em contato para verificar o que ela precisa”, explica a juíza. 

A iniciativa é a porta de entrada para outras ações de proteção à mulher. De acordo com a magistrada, há uma parceria com a Ronda Maria da Penha – serviço feito pela polícia -, que pode ser acionada após a concessão da medida protetiva, em caso de descumprimento. Elen de Freitas informa que há várias ferramentas disponíveis para auxiliar a vítima de violência a se afastar do agressor.

Observatório Judicial da Violência contra a Mulher, banco de dados do TJRJ, que reúne dados e informações sobre processos judiciais, estudos e legislação

A COEM/TJRJ coordena ainda o Observatório Judicial da Violência contra a Mulher, banco de dados do Poder Judiciário fluminense, com dados e informações sobre processos judiciais, estudos, legislação temática, notícias e orientações de utilidade pública. O sistema é alimentado pela rede de atendimento, o que permite a integração e alinhamento das ações e projetos. “Temos várias ações que se complementam. É um conjunto articulado, iniciado a partir da medida protetiva. Depois, o acolhimento de saúde, trabalho, escola e formação é tudo feito com a atuação em rede”, ressalta a juíza.

Atuação policial 

No Mato Grosso, as mulheres também podem acionar a polícia de forma mais ágil, em caso de descumprimento de medida protetiva. O “Botão do Pânico”, ferramenta premiada pelo CNJ em 2022, foi lançado pelo Tribunal de Justiça, em parceria com a Polícia Civil. De acordo com a juíza titular da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá do TJMT, Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, para ter acesso ao serviço, a vítima precisa informar o número do processo da medida protetiva. O código para instalação e utilização da ferramenta é fornecido imediatamente após o pedido da medida.  

Ao perceber que o agressor pode estar se aproximando, a mulher pode gravar um áudio de até 30 segundos e enviar juntamente com o pedido de presença policial. Desde o lançamento do aplicativo, em 2021, foram deferidos 11.857 pedidos de acesso ao botão e registrados 1.134 acionamentos da ferramenta. Também foram concedidas 303 medidas protetivas via SOS Mulher MT. 

O aplicativo está disponível para atender as vítimas em Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres e Rondonópolis, cidades que contam com unidades do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp). “A viatura policial que estiver mais próxima, atende a ocorrência. Mas para diminuir o feminicídio, é preciso mais investimento e orçamento na segurança pública. Atualmente, só há oito delegacias especializadas no estado e apenas uma com funcionamento 24 horas”, destaca a juíza Ana Vaz.  

SOS Mulher MT, aplicativo desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso- Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Para a magistrada, que também faz parte da Coordenadoria Estadual da Mulher (Cemulher/TJMT), sem esse investimento, não é possível ampliar o serviço. “Não adianta dar falsa sensação de segurança. Não precisamos apenas de campanhas para esclarecer, mas de resolver e não tratar apenas das tragédias”, afirma.  

O tribunal, que também vivenciou pelo menos dois casos de feminicídio em uma década – em 2013, a juíza Glauciane Chaves de Melo foi morta a tiros pelo ex-marido dentro do fórum; e em 2023, a servidora Thays Machado foi assassinada pelo companheiro – tem trabalhado para amparar as vítimas de violência. Junto à rede de enfrentamento, a Cemulher disponibiliza um Centro de Atendimento às Vítimas, com apoio especializado. Segundo a juíza, as varas já encaminham 90% das vítimas para tratamento de saúde, cursos de capacitação e emprego. 

O tribunal também oferece grupos reflexivos de homens, voltados para os autores de violência doméstica e familiar. A ação promove encontros com equipe multidisciplinar durante palestras e oficinas de construção de projeto de vida. Também há o projeto “Maria da Penha nas Escolas”, que conta com a participação de juízas e assistentes sociais, em 18 comarcas. 

Tanto o TJMT quanto o TJRJ trabalham para dedicar um percentual de vagas de funcionários terceirizados para mulheres vítimas de violência, conforme estabelecido na Resolução CNJ 497/2023, que institui o Programa “Transformação”, com critérios para a inclusão de reserva de vagas nos contratos de prestação de serviços continuados e terceirizados para as pessoas em condição de vulnerabilidade. 

Extensão territorial 

A dificuldade para as pessoas participarem de audiências no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher fez o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) ir ao encontro das vítimas, acusados e testemunhas que estão distantes da sede da comarca de Porto Velho. “Sem isso não se fazia efetiva a justiça, de modo que era importante criar um mecanismo para atender essas circunstâncias”, afirmou o desembargador Álvaro Kalix Ferro, autor e coordenador do projeto “Maria no Distrito”, vencedor da última edição do prêmio Viviane do Amaral, em 2023. 

De acordo com o magistrado, a comarca de Porto Velho tem 34 mil quilômetros quadrados – similar ao tamanho do estado de Sergipe. Com municípios e distritos que, por via terrestre, ficam a 400km distantes da sede, a capital possui especificidades que precisam ser atendidas pelo Sistema de Justiça, como comunidades ribeirinhas, população hipervulnerável e isolamento.  

Para o juiz, a ideia era realizar não apenas as audiências de instrução e julgamento nas localidades, mas dar cumprimento da pena – se substitutiva -, nos municípios ou distritos; criar e fortalecer as redes de enfrentamento à violência; além de realizar rodas de conversa, palestras e conscientização da necessidade da participação da sociedade no enfrentamento desse tipo de violência. 

No ano em que foi criado, em 2018, o projeto instruiu e julgou 12 processos em seis distritos visitados. No ano seguinte, foram visitados 11 distritos e 61 processos julgados. Apesar de não ter sido realizado durante os anos da pandemia, nos últimos dois anos, o projeto instruiu e julgou completamente 15 processos. Também alcançou mais de 900 pessoas com a realização de palestras, rodas de conversa e outros atendimentos. “Quando levamos não apenas o Poder Judiciário, mas todo o Sistema de Justiça a essas localidades, trazemos uma noção de pertencimento: as comunidades distantes notam sua importância para o Estado e que são vistas. Isso é importante até para o engajamento social”, afirma o desembargador. 

Em 2024, o TJRO quer expandir a iniciativa para mais quatro das 23 comarcas do estado. Com a previsão da conclusão da construção dos Fóruns Digitais – iniciativa do TJRO classificada pelo CNJ como boa prática -, há a expectativa de utilizar uma nova infraestrutura no projeto. Para Álvaro Kalix, as especificidades de Rondônia exigem uma justiça itinerante, que congrega um trabalho conjunto e integrado. “O TJRO, por meio da Coordenadoria da Mulher e da Corregedoria, tem trabalhado para atender todas as comarcas, mas é preciso oficializar esse esforço no contexto do Judiciário local como um todo”, diz.

A Justiça por Todas Elas

Ao longo do mês de março, a Agência CNJ de Notícias publica uma série de reportagens sobre ações do Judiciário pela garantia do direitos das mulheres. Esses conteúdos compõem a campanha “A Justiça por Todas Elas”, idealizada pelo CNJ em alusão ao Dia Internacional da Mulher, em 8/3. Uma página dedicada à campanha e uma cartilha são algumas das iniciativas da ação que tem como foco idosas, crianças, trabalhadoras, mulheres privadas de liberdade, com deficiência, adolescentes, vítimas de tráfico, grávidas, mães e lactantes, indígenas e LGBTQIAPN+.

 

Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias  

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