Ouvir as vozes do movimento de população de rua e dos representantes das instituições públicas sobre os caminhos que podem ser tomados para a efetivação e garantia dos direitos da população em situação de rua no Brasil. Essa foi a tônica do III Seminário Nacional de Direitos Humanos da População de Rua, promovido pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Diretos da População em Situação de Rua, na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (20/12). Alinhado à importância do debate, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) esteve presente no evento que contou com a participação do conselheiro Pablo Coutinho Barreto, coordenador do Comitê Nacional PopRuaJud, criado pelo CNJ para desenvolver políticas públicas judiciais de atenção às pessoas em situação de rua.
Em 2021, em meio à pandemia da covid-19, quando foi registrado aumento expressivo de brasileiros vivendo nas ruas, o CNJ instituiu por meio da Resolução CNJ n. 425 a Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua (PopRuaJud). Para cumprir as orientações previstas na norma, os tribunais de Justiça têm feito mutirões em que são oferecidos serviços públicos gratuitos e básicos ao exercício de cidadania e voltados ao acesso ao Sistema de Justiça. A ideia dos mutirões é possibilitar atendimento prioritário, possibilitando o acesso à Justiça dessa população de maneira simplificada, como estabelece a normativa do CNJ.
O conselheiro ressaltou que os tribunais também estão buscando efetivar essa política por meio da capacitação dos agentes – servidores, colaboradores e magistrados. A ideia da capacitação é utilizar também os próprios moradores de rua. “Eles conseguem verbalizar melhor as dificuldades e obstáculos que sentem no acesso à Justiça. Mas também devemos ter capacitações nessa temática elaboradas pela própria Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados (Enfam)”, afirmou.
Um dos objetivos é facilitar o acesso físico de homens, mulheres, idosos e jovens em situação de rua ou outras vulnerabilidades aos fóruns. “Precisamos ajudar a quebrar as barreiras para essa população alcançar o Judiciário de maneira ampla, plural, não burocrática. Daí porque são tão importantes os mutirões PopRua. Coordenados pelos tribunais locais, eles buscam dar atendimento a esses cidadãos, concretizando a efetivação de diversos direitos, como aposentadoria, FGTS, documentos variados. Os mutirões são a concretização do direito”, disse o conselheiro.
Segundo o coordenador do Comitê Nacional, as pessoas em situação de rua não podem ser barradas, por qualquer motivo, no Poder Judiciário. “Essa é uma política que estamos construindo há dois anos, mas o movimento precisa sempre estar cobrando sobre eventuais falhas na execução da política. Todas as pessoas têm direito a ter direitos. E têm direito de cobrar isso no Judiciário quando em situação de conflito. Negar o acesso à Justiça é negar o direito”, disse o conselheiro fazendo referência aos muitos obstáculos que essas pessoas enfrentam, desde condições de vestimentas, condições financeiras, passando pela higiene pessoal, até a falta de documentos que possam identificá-los.
“Sem o movimento não há política. Nenhum direito humano para a população em situação de rua. É preciso fazermos um risco no chão e dizer: daqui não podemos retroceder mais. É uma situação que viola a dignidade da condição humana”, afirmou Coutinho Barreto, que citou publicação recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que revelou a urgência do olhar do Estado sobre esse segmento vulnerável e marginalizado da população.
De acordo com os dados, a população em situação de rua no Brasil, teria aumentado 200% nos últimos 10 anos. Entre 2019 e 2022, quando atingiu 281.472 pessoas, o crescimento foi de quase 40%. Entre as causas do problema, analisam os especialistas do instituto, estão: exclusão econômica, que envolve insegurança alimentar, desemprego e déficit habitacional; ruptura de vínculos familiares; e questões de saúde, especialmente de saúde mental.
O levantamento aponta que a idade média das pessoas nas ruas é 41 anos. Os jovens entre 18 e 29 anos somam 15% do total, e aqueles com idade de 50 a 64 anos correspondem a 22%. Crianças e adolescentes somam 2,5%, e idosos, 3,4%. Entre as causas estão crises econômicas sucessivas, volta da insegurança alimentar grave e da fome, situação agravada pela pandemia de Covid-19.
Dênis de Oliveira, 34 anos, participou do evento aberto pelo grupo musical Vozes da Rua, composto por pessoas em situação ou que já estiveram em situação de vulnerabilidade. Ele contou que sua história na rua começou aos 16 anos, quando sua irmã foi assassinada. “Na época, não contei com nenhuma política pública que me apoiasse, não me deixasse tão vulnerável. Fui morar na rua com minha mãe, meu padrasto e meus irmãos. Eles seguiram um caminho complicado. Quem me resgatou foi o movimento de população de rua que me tirou da rua e me deu um ânimo de vida. Me mostrou que eu era um sujeito de direitos e que eu poderia avançar, seguir um novo caminho. Nem todos têm essa chance.”
Edvaldo Gonçalves, ex-morador de rua por 30 anos, ressaltou a necessidade de haver uma política que garanta o direito à moradia para os excluídos. “A casa é o pilar onde começamos a saúde, o trabalho e o lazer. Sem a casa, a gente não vai ter nunca isso. Vamos ser marginalizados, humilhados, massacrados. A população de rua é formada por seres humanos. Se um jovem de rua usa droga é massacrado. Nos Jardins, o bairro mais caro de São Paulo, quantos jovens não usam droga? É uma hipocrisia apontarem o dedo para a população de rua”, disse Edvaldo, um dos representantes do Movimento de Populações de Rua que estiveram presentes no seminário.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias