Um desafio está posto à frente dos participantes do Webinário Equivalência de Carga de Trabalho: Um Novo Paradigma do Trabalho na Justiça, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que discute os referenciais e a importância de alocar corretamente recursos, além de planejar a oferta de serviços à população pelo Poder Judiciário. O objetivo do evento, que aconteceu nessa segunda (26/2) e prossegue nesta terça-feira (27/2), é ir além da quantificação dos números de processos, audiências, despachos, decisões interlocutórias e sentenças para adoção de um modelo de comparação que torne a Justiça brasileira mais justa na distribuição de seu volume de trabalho entre magistrados e servidores, assim como célere e eficiente.
O evento reúne magistrados e profissionais do Judiciário que lidam com a gestão de dados e com estatística. Os participantes acompanharam um pouco do trabalho do Comitê técnico, criado em março do ano passado para promover estudos e pesquisas para a construção de indicadores sobre a equivalência da carga de trabalho de magistrados e servidores, além de poderem opinar, relatando experiências e dando contribuições.
“O comitê não olha apenas para números, olha para valores e para pessoas”, afirmou, na abertura do webinário, o conselheiro do CNJ Giovanni Olsson. “É um grupo que estuda as desigualdades na distribuição da carga de trabalho nos tribunais e busca construir indicadores para identificar e valorizar as diferenças de esforço nas distintas competências, classes de assuntos e movimentos processuais e suas inúmeras variações”, avaliou o magistrado.
Complexidade
O comitê identificou casos que ilustram a complexidade da Justiça no Brasil, realidade que pode estar encoberta pela objetividade dos números. Há exemplos de casos como um tribunal federal que julgou uma ação que demandou 63 audiências de instrução, ou um tribunal estadual, em que um único processo justificou o pronunciamento pelo juiz em 99 decisões liminares.
A análise da carga de trabalho nos tribunais e varas pelo comitê se orienta por três referenciais de complexidade: matéria de competência; atribuição de peso a processo, de acordo com classe e assunto; e movimentação. Também leva em consideração a localização da vara, o número de partes ou de testemunhas ouvidas por audiência de instrução; o número de partes nos polos passivos e ativo; a natureza jurídica e econômica das partes; e, enfim, a realização de inspeções judiciais e outros atos jurisdicionais complexos que precisam ter valoração destacada.
“A mensuração da carga de trabalho por magistrado é fundamental para a gestão do Poder Judiciário, seja para orientar a criação de varas, a lotação dos profissionais, a medição da produtividade, entre outros”, declarou o secretário de Estratégia e Projetos do CNJ, juiz Gabriel Matos.
Ponderação
O Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), do Conselho, participa do trabalho do comitê e lida com a produção de indicadores de produtividade que levem em consideração a complexidade processual. Isso tudo para estabelecer classificações que sejam resultado da aplicação de fórmulas matemáticas. “O cálculo fornece uma diretriz, e não é taxativo nem definitivo. Tampouco exime o operador do direito de fazer a qualificação de importância”, explica a diretora-executiva do DPJ, Gabriela Soares. Para a criação de um primeiro modelo estatístico, o departamento listou 5.369 assuntos e 832 classes de processos.
Para a juíza Cíntia Menezes Brunetta, conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a complexidade e a diversidade do trabalho do Poder Judiciário se somam à realidade de um país com dimensões continentais, composto por realidades sociais, culturais, econômicas e geográficas distintas. “Não há como analisar a carga de trabalho na Justiça brasileira olhando apenas para um aspecto, o mais tradicional que se tende a considerar, a questão da competência da vara”, opinou.
Caso de sucesso
As experiências de sucesso, a criação dos centros de inteligência e a contribuição das escolas de formação também estiveram no foco do webinário. O juiz federal no Rio Grande do Sul, Eduardo Picarelli, relatou a experiência desenvolvida pelo TRF 4. Ele lembrou que, entre 2012 e 2013, o tribunal iniciou estudos para equalizar a carga de trabalho a partir da atribuição de pesos para os diferentes tipos de demanda. Porém, se depararam com “a complexidade para definir o peso das diferentes classes processuais, dentro das respectivas competências”. Esse entrave apontou para a necessidade de especializar as unidades. Em 2017, ocorreu a primeira experiência em regionalização de vara de execução fiscal.
No ano seguinte, foi desenvolvido o projeto de Especialização, Regionalização e Equalização da Carga de Trabalho, relatou o palestrante. De lá para cá, todas as varas do TRF 4 são especializadas. “Possuem uma competência exclusiva como de execução fiscal, previdenciária e cível, admitindo subespecializações, como ambiental ou saúde”, disse Picarelli. Como resultado concreto, o volume processual das varas de mesmas competências está quase completamente equalizado, fazendo com que servidores e magistrados, a despeito de onde estejam, possam trabalhar com cargas de trabalho muito similares, sem sobrecargas expressivas.
Mensuração
O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Otávio Port destacou que uma das maiores preocupações é a produtividade dos magistrados. “Há um procedimento administrativo específico, a Representação por Excesso de Prazo (REP), que é passível de futuras revisões, a partir das conclusões do GT e do parâmetro do que passe a ser considerado como morosidade processual”.
Port integra o Comitê Técnico, criado pela Portaria CNJ n. 79, encarregado de realizar estudos para a construção de indicadores de equivalência de carga de trabalho no Poder Judiciário brasileiro. Ele ressaltou que a morosidade de uma vara de júri não pode ser considerada a mesma de uma vara de execução fiscal, de uma vara previdenciária ou de uma vara cível de competência plena.
Metodologias
No painel “Desafios metodológicos para a mensuração quanti-quali da carga de trabalho”, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Alexandre dos Santos Cunha, falou sobre o mapeamento das atividades em cada etapa da ação judicial. “Isso permite entender o tempo de cada atividade; que atos acontecem em cada tipo de ação, de acordo com diferentes classes processuais; e comparar onde há maior carga de trabalho, se para o juiz ou o servidor”, explicou.
A juíza auxiliar do CNJ Ana Lúcia Aguiar presidiu o painel “O papel dos Centros de Inteligência e das Escolas Judiciais no mapeamento dos fluxos de trabalho e das competências profissionais”. Para a juíza da Justiça Federal em Minas Gerais e representante da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, Vânila Cardoso de Moraes, os Centros de Inteligência do Poder Judiciário são espaços institucionais que podem contribuir com o tema do webinário. “Os centros têm a função de fazer análise qualitativa para prevenção de litígios, monitoramento de demandas e na gestão de precedentes”, enumerou. Ela explanou que as notas técnicas analisam questões complexas em que há repetição de demandas ou questões de fluxo de procedimentos”.
Por sua vez, a juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, Maria Beatriz Gubert, ressaltou a importância do uso da inteligência artificial pelos tribunais, mas destacou a compatibilidade em relação aos direitos fundamentais. “De nada adianta um estudo sério sobre o tema abordado neste evento se não levar em conta o que o excesso de trabalho está impactando na saúde de magistrados e servidores”, defendeu.
Texto: Luís Cláudio Cicci e Margareth Lourenço
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias