Mulheres que passaram por episódios de violência; jovens que perderam a capacidade de se locomover após sofrer tentativa de feminicídio; o trabalho de uma delegada e de uma promotora pública que atuam no combate aos crimes contra mulheres e a força de uma ex-chacrete que nunca deixou o preconceito guiar sua vida, são apenas algumas das histórias contadas no Podcast Atena: elas por elas, vencedor na categoria Mídia do II Prêmio CNJ Juíza Viviane Vieira do Amaral, concedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A publicação em forma de áudio aborda casos reais de mulheres brasileiras que lidam ou lidaram com abusos, violência e até tentativa de homicídio nos últimos anos, e tem o objetivo contribuir com o fim da violência familiar contra as mulheres. O Podcast está disponível na plataforma da Rádio Itatiaia (Itacast), além de Spotify e Deezer.
Nas 12 edições publicadas ao longo de 2021 é possível conhecer um pouco mais sobre a vida de Elza Soares, Rita Cadillac, e outras mulheres que tiveram suas vidas transformadas pelo machismo e pela barbárie, assim como pela coragem de buscar uma saída. Um dos exemplos é o caso contado no terceiro episódio, da professora mineira Antônia Teixeira Fonseca dos Santos. Foram 25 anos de casamento e 33 boletins de ocorrência registrados na Polícia Civil de Belo Horizonte até que a Justiça aplicasse medidas protetivas contra o agressor, impedindo mais episódios de agressão contra ela e seus filhos.
Relacionamentos abusivos
“O relacionamento foi se tornando tóxico. Ele xingava, falava alto e batia vasilhas quando minha família ou alguém viesse em casa. Fui ficando sozinha. As clientes (antes de ser professora, Antônia foi cabelereira e atendia em casa) foram diminuindo e eu já não podia sair porque ele criava problema, e, aos poucos, fui ficando presa”, relembra Antônia, que foi ameaçada de morte e chegou a ter um infarto e outros transtornos de saúde causados pela constante violência.
O episódio que aborda a vida da dançarina Rita Cadillac também apresenta doses de relacionamento abusivo e de naturalização do machismo. “Era uma época em que as mulheres eram obedientes aos seus maridos. Mas casei para ter independência, para poder ser gente, poder ir ao cinema, sair, fumar. Queria ter liberdade”, conta. Mas, no começo da década de 70, isso ainda não era uma pauta resolvida. Quando seu ex-marido levantou a mão para lhe bater, Rita não permitiu: “Foi a primeira e última vez que tentou”, conta Rita de Cássia Coutinho, hoje com 66 anos.
Criada pela avó paterna, que a colocou em um colégio interno de educação severa, Rita acreditou que somente o casamento poderia ser a saída em direção a uma vida de liberdade. Aos 16 anos casou-se com um homem 10 anos mais velho e chegou a ser vítima de estupro uma semana depois do casamento, cometido pelo marido. Anos antes, a jovem Elza Soares passou por situações semelhantes de violência e estupro em seu casamento arranjado pelo pai. A história de Elza é contada no primeiro episódio da produção.
Fruto de dois anos de trabalho da repórter Alessandra Mendes, o podcast Atena surge com um propósito que vai além de falar sobre a experiência e as histórias dessas mulheres. “É uma forma de ajudar as vítimas a serem protagonistas das próprias histórias. De evitar que esses casos se repitam. É mostrar que elas podem estar vítimas nessas situações, mas também são protagonistas do próprio destino”, diz.
Alessandra conta, ainda, que os casos de mulheres agredidas e mortas apenas pelo fato de serem mulheres que cobriu pela rádio sempre geraram um grande incômodo. “As entrevistas eram dilacerantes e deixaram em mim marcas profundas que me levaram a refletir sobre o meu papel de jornalista e como poderia contribuir mais para denunciar a situação aviltante de violência diária contra mulheres”, relembrou. E foi a partir de uma entrevista com a cantora Elza Soares em uma de suas passagens por Belo Horizonte que a repórter começou a amadurecer a ideia do podcast.
“Ela me disse que uma fã esteve em seu show com o rosto inchado e sem dentes porque havia sido agredida pelo companheiro. Elza conversou com ela e, de alguma forma, contribuiu para mudar aquela situação”. Quando voltou à capital mineira para outro show a mulher fez questão de dizer à Elza que tinha conseguido se desvencilhar do ciclo de violência.
CNJ
A premiação foi instituída em 2020 pelo CNJ para honrar a magistrada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), assassinada pelo ex-marido no dia de Natal. O prêmio confere visibilidade e notoriedade a iniciativas de prevenção e combate à violência, maus-tratos e crimes contra mulheres, assim como forma de conscientizar integrantes do Judiciário em relação a necessidade de vigilância permanente diante de casos e processos que chegam à Justiça.
O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, segundo dados das Nações Unidas, ficando atrás apenas de Rússia, Guatemala, Venezuela e Honduras (países que não cumprem tratados internacionais de direitos humanos).
Texto: Regina Bandeira
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias