A reintegração social de egressos do sistema penitenciário por meio da educação e do trabalho é um dos objetivos a serem alcançados com o Plano Pena Justa. Lançado nesta quarta-feira (12/2), a proposta traz mais de 300 metas a serem cumpridas até 2027. Todas voltadas a responder – e mudar – ao atual cenário do sistema penitenciário nacional.
Segundo o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com cerca de 670 mil pessoas privadas de liberdade. Mais de 90% são homens, 70% são pessoas negras e mais de 50% nem sequer concluíram o ensino fundamental. “As unidades prisionais encontram-se superlotadas, repletas de violência e sem recursos para assegurar um mínimo de dignidade – e oportunidade – àqueles que vivem ali”, destacou.
O Pena Justa foi desenvolvido para enfrentar essa situação, reconhecida pelo STF como “estado de coisas inconstitucional”, e propor soluções. Conforme explicou o ministro, a ação pretende atacar problemas como a superlotação e a má qualidade das vagas nas unidades, em que as pessoas são acomodadas em situação totalmente degradante. Também pretende evitar o ingresso e a manutenção de indivíduos nas prisões além do tempo de sua condenação e apresentar um esforço para facilitar a ressocialização por meio do trabalho e da educação.
Barroso explicou ainda que o Judiciário interfere nessa questão porque o sistema prisional envolve uma “dramática violação dos direitos humanos”. “Essas pessoas não foram condenadas a comer comida estragada, não foram condenadas a sofrer violências físicas ou sexuais nem a conviver com todo tipo de doença contagiosa. Seria de extrema perversidade do Estado achar que elas devem ser atiradas no lixo do sistema prisional. São pessoas que não perderam sua dignidade, apenas perderam sua liberdade”, reforçou.
O objetivo da intervenção também é permitir que o Estado brasileiro reassuma o controle do sistema prisional, o que inclui reduzir o assédio das facções criminosas e preparar as pessoas que, depois de cumprida a pena, vão voltar à sociedade. “O que estamos tentando aqui é fazer um exercício de empatia, não com ingenuidade nem desapreço à situação das vítimas nem para oferecer mordomias inaceitáveis a essas pessoas. Apenas para dar condições mínimas de dignidade para que elas não saiam de lá pior do que elas entraram”.
Trabalho
Entre as iniciativas do plano está o Programa Emprega, também lançado nesta quarta-feira (12/2). Por meio de parcerias com empresas e órgãos públicos, a ação vai transformar as unidades prisionais em unidades de produção, oferecendo vagas de emprego em programas de infraestrutura e construção de estradas, rodovias e ferrovias. A expectativa é que o projeto seja monitorado e auditado pela Controladoria-Geral da União (CGU).
O Plano Pena Justa é fruto de um trabalho conjunto entre os poderes públicos e a sociedade civil, respaldado por decisão do STF. Para a execução da ação foi assinado um acordo cooperação técnica entre CNJ, Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o plano é o primeiro passo de uma longa marcha de estratégias. Ele citou as ações dos mutirões carcerários e das audiências de custódia, também já implementados pelo CNJ, e que também contribuem para as mudanças nesse cenário. “É um plano bem elaborado e foi longamente discutido com a sociedade civil e com o poder público e que será auditado. Nossa intenção é resgatar a dignidade de uma pessoa humana que está sob custódia do Estado”.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, também enfatizou a convergência dos esforços no empenho de transformar o sistema carcerário. “Essa é uma política penal pautada na eficácia, na equidade e na reconstrução do papel do estado na consecução penal”.
Representando o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o diretor Walter de Araújo Filho destacou que a questão prisional não é apenas um problema social, mas também econômico. De acordo com ele, 3,5% do PIB são perdidos para a criminalidade todos os anos. “A segurança pública é fator primordial de desenvolvimento. Quando falamos de sistema prisional, estamos falando do primeiro pilar desse sistema de desarranjo da segurança pública”, destacou.
Gestão e monitoramento
Para a gestão local do Pena Justa, o plano determina como uma das medidas prioritárias a criação de Comitês de Políticas Penais em todas as unidades da federação. Essas estruturas, já existentes em 12 UFs como espaços de diálogo e desenvolvimento de políticas para a melhoria de serviços penais, deverão se expandir para todo o Brasil como instâncias de governança do Pena Justa, reunindo atores das três esferas de governo local e a sociedade civil.
A gestão nacional do Pena Justa está a cargo do Comitê de Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Prisional Brasileiro, com representantes do DMF/CNJ e da Senappen/MJSP. O acompanhamento resultará em informes semestrais enviados pelo CNJ ao STF sobre o andamento do plano.
As ações relacionadas à implementação e ao monitoramento do Pena Justa têm o apoio do programa Fazendo Justiça, coordenado desde 2019 pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Secretaria Nacional de Políticas Penais do MJSP.
Estrutura do plano
O Pena Justa está dividido em quatro eixos de atuação. O primeiro trata do controle de vagas no sistema prisional e de como reduzir a superlotação. O segundo foca na estrutura dos presídios e na garantia do básico para a sobrevivência de quem está sob custódia do Estado, como saneamento, higiene e alimentação, além de estratégias para trabalho e educação para as mais de 600 mil pessoas presas.
O terceiro eixo estabelece ações voltadas às pessoas que deixam a prisão, para que a reintegração e o pertencimento possam contribuir com a quebra de ciclos de violência e a redução da reincidência. O quarto e último eixo traz medidas para que o estado de coisas inconstitucional não se repita.
Saiba mais
O Pena Justa foi construído ao longo de 2024 pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com quase 60 órgãos do Executivo e do Sistema de Justiça e propostas da sociedade civil. Parte da compreensão de que os problemas do sistema prisional agravam a situação da segurança pública no Brasil, uma vez que o ambiente favorece a atuação de redes de crime organizado, que ocupam espaços que deveriam ser do Estado. São mais de 300 metas que devem ser cumpridas até 2027, a maioria com mais de um responsável.
Por decorrer de decisão do STF, a implementação do plano é obrigatória e imediata para todas as unidades da federação. A partir de agora, os estados e o DF têm prazo de seis meses para construírem e apresentarem seus planos estaduais e distrital de implementação do Pena Justa, que devem se basear na matriz nacional. Um caderno orientador foi disponibilizado para orientar juízes, juízas, gestores públicos e outras equipes envolvidas nessa etapa. Os atores estaduais também deverão ser convocados pelo CNJ para discutir os planos paras as unidades da Federação.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias