Os resultados parciais das pesquisas sobre os “Estudos empíricos sobre a efetividade da jurisdição na Amazônia Legal” e sobre o “Comportamento judicial em relação à Convenção Americana de Direitos Humanos” foram temas da quinta edição da série “Justiça e Pesquisa – 2022”, realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última sexta-feira (21/10). Os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) apresentaram os achados preliminares sobre os temas em estudo e receberam sugestões relativas a ajustes a serem incorporados aos trabalhos.
Ao abrir o encontro, o Secretário Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica (SEP) do CNJ, Ricardo Fioreze, destacou que a série “Justiça Pesquisa” foi concebida a partir de dois eixos estruturantes: Direitos e Garantias Fundamentais e Políticas Públicas do Poder Judiciário. “A realização desses estudos busca uma abordagem empírica, não se restringindo a questões teóricas ou doutrinárias”, afirmou. A série produz pesquisas de interesse do Poder Judiciário por meio da contratação de instituições que executam os levantamentos e análises dos dados sem a participação do CNJ.
Com mediação da juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Lívia Peres, os primeiros resultados parciais apresentados foram dos “Estudos empíricos sobre a efetividade da jurisdição na Amazônia Legal”, em execução pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e que integra o Programa Judiciário e Meio Ambiente. Concebido para compreender a atuação jurisdicional e a eficácia das decisões do Poder Judiciário em conflitos socioambientais na Amazônia legal, o levantamento alia técnicas de coleta automatizada de dados e análises quantitativas e qualitativas, considerando jurisprudência, informações georreferenciadas e percepções de representantes do Poder Judiciário.
Ao traçar um panorama dos conflitos socioambientais na Região Amazônica, as pesquisadoras da FGV Flávia Scabin, Karina Denari, Elisandra Silva e Luiza Almeida destacaram que o estudo apurou que, nos últimos anos, as frentes de desmatamento se direcionaram para as Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Terras Quilombolas. Também se constatou um quadro de violação de direitos humanos e de deficiência no acesso à justiça pelas populações da região, principalmente pelos grupos que apresentam maior vulnerabilidade.
Conflitos socioambientais e Judicialização
Segundo os dados, o estado do Pará tem 421 registros pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2020 e 2.662 ações registradas na Base de Dados do Poder Judiciário (DATAJUD) em 2021. Mato Grosso aparece com 341 conflitos segundo a CPT em 2020 e 2.941 ações na DATAJUD em 2021. Enquanto para Rondônia, são indicados 261 conflitos em 2020 informados na CPT e 3.046 ações na DATAJUD em 2021. O estudo constata que, esses estados possuem os maiores níveis de desmatamento e, ao mesmo tempo, o maior volume de ações ambientais em curso. Na avaliação dos pesquisadores, as informações podem indicar que o Poder Judiciário exerce papel relevante para o equacionamento dos conflitos.
Ao comentar o estudo, a conselheira do CNJ Salise Sanchotene sugeriu que a pesquisa busque conhecer com mais profundidade os atores responsáveis por acompanhar e por fiscalizar os planos de recuperação, assim como apurar os percentuais de cumprimento determinados pelo Poder Judiciário. “Também é importante conhecer se os recursos financeiros obtidos por condenação estão sendo aplicados no local onde ocorreu o dano ou se é recolhido em um fundo comum”, completou a conselheira.
Outra questão apresentada pela conselheira foi o aprofundamento sobre a utilização do SireneJud, painel interativo desenvolvido pelo CNJ que apresenta ações judiciais ambientais em trâmite e arquivadas, além de dados oriundos de outras fontes relativas ao meio ambiente. “Precisamos saber o quanto o SireneJud é conhecido e quem o utiliza”, afirmou.
Já a juíza federal Ana Carolina Vieira de Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), apontou a necessidade de ampliação da pesquisa para apurar a reincidência de crimes ambientais e também se ocorrem com as mesmas pessoas e nas mesmas áreas. A efetividade da jurisdição do primeiro grau, os resultados proporcionados por ações solucionadas por meio de autocomposição e também o tempo médio para execução de sentenças, foram questões que, na avaliação da juíza federal Rafaela Rosa, da 12ª Vara Federal de Porto Alegre, merecem maior atenção na pesquisa.
Convenção Americana de Diretos Humanos
Outra pesquisa foi apresentada pelo professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Dr. Daniel Wunder Hachem, sobre o “Comportamento judicial em relação à Convenção Americana de Direitos Humanos: uma análise empírica do Poder Judiciário”, que abrangeu entrevistas com magistrados e magistradas, além de questionários enviados aos juízes e juízas e um levantamento jurisprudencial.
Na entrevista, buscou-se observar a familiaridade dos magistrados e magistradas com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Os resultados preliminares demonstram que, mesmo os que afirmam possuir alguma familiaridade, há certo desconhecimento sobre aspectos basilares do tema – 97,5% afirmaram compreender que a convenção consiste em fonte do Direito obrigatória. Mas notou-se uma contradição entre o reconhecimento do caráter obrigatório da Convenção e as demais respostas dos magistrados.
Sobre a aplicação das normas da Convenção ou da jurisprudência da Corte IDH, 57,5% relataram que não costumam aplicar as normas da convenção ou citar jurisprudência da corte; 27,5% indicaram o alto volume de trabalho como empecilho ao tratamento detalhado de convenções e jurisprudências internacionais e 47,5% afirmaram que as normas da convenção raramente são invocadas pelas partes, sendo que alguns disseram que a Defensoria Pública é quem mais invoca.
Entre os entrevistados, 97,5% entendem que o conhecimento sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) é importante para a atividade jurisdicional, mas 75% afirmaram nunca ter realizado curso sobre o SIDH ofertado pelo Poder Judiciário. A maioria (82,5%) afirmou não ter conhecimento sobre recomendações de seus tribunais para aplicação da convenção.
Já os questionários enviados aos magistrados receberam 2.764 respostas, que correspondem a 16,5% dos magistrados brasileiros. Deste número, 612 foram consideradas respostas incompletas, sendo que 91 não concordaram com a participação e 521 equivalem a desistências durante as respostas. Outros 47,6% afirmaram conhecer e ter aplicado o tratado em suas decisões e mais 50,7% disseram que nunca o fizeram. Quanto à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, contudo, chega a 80,1% a proporção de juízes que nunca a aplicaram às sentenças, sendo que 53,5% não conhecem ou nunca estudaram a fundo o tema.
Para a pesquisa jurisprudencial qualitativa foram catalogados 100% dos tribunais, abrangendo 5.360 decisões aptas a integrarem a análise. Na amostra foram encontradas decisões com as classificações estabelecidas em 50% dos tribunais brasileiros.
Mediada pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Livia Peres, a apresentação foi comentada pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ e professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Edinaldo Cesar Junior, que chamou atenção para a relevância da abrangência nacional da pesquisa. Segundo ele, contudo, para além da soberania, os juízes precisam compreender que a jurisprudência da corte já faz parte do ordenamento jurídico brasileiro há muito tempo.
O juiz de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo e também docente da ENFAM, André Augusto Salvador Bezerra, comentou ser importante identificar a alegação das partes em com relação aos Direitos Humanos, uma vez que as normas expostas pelas partes possuem grande influência acerca do ato de julgar.
A Série “Justiça Pesquisa” foi concebida para identificar as principais dificuldades e oportunidades existentes em relação à formulação, à implementação, ao aperfeiçoamento e ao controle das atividades de prestação jurisdicional na busca de concretização de direitos e garantias fundamentais.
Texto: Jeferson Melo e Mariana Mainenti
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias