Pesquisas analisam perfil de decisões judiciais aplicadas à primeira infância

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Painéis sobre Diagnóstico da Primeira Infância, no Seminário Primeira Infância e Prioridade Absoluta. Foto: Ana Araújo/Ag.CNJ.
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A apresentação de dados sobre interfaces do Poder Judiciário relacionadas a situações de vulnerabilidade a que crianças de zero a 6 anos de idade são expostas marcou a tarde de trabalhos do “Seminário Primeira Infância é Prioridade Absoluta”, evento que ocorreu na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante a última segunda-feira (17/4).

Os estudos desenvolvidos por cerca de dois anos pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) contaram com a participação de amplas equipes multidisciplinares. O primeiro trabalho, “Panorama geral dos cincos eixos do Diagnóstico Nacional da Primeira Infância”, contou com exposição das pesquisadoras Janaína Gomes e Paola Stucker.

Em seguida, a pesquisa “Relatos da invisibilidade: representações de atores públicos sobre a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância no cenário penal e socioeducativo feminino” foi defendida pela consultora do Pnud Luciana Silva Garcia. Por fim, a também consultora do Pnud Alessandra Rinaldi trouxe os resultados do trabalho “Primeira Infância e formas de produzir famílias: narrativas de atores públicos sobre entrega voluntária, destituição do poder familiar, adoção e rumores de tráfico de crianças com até 6 anos de idade no Brasil”.

Sob a coordenação do juiz auxiliar da Presidência do CNJ e gestor do Pacto Nacional pela Primeira Infância Edinaldo César Santos Junior, as pesquisadoras Janaína Gomes e Paola Stucker falaram sobre a situação do atendimento às crianças de zero a 6 anos de idade pelo Sistema de Justiça no Brasil e por outras instituições que compõem o sistema de garantia de direitos. “O trabalho teve o intuito de produzir evidências capazes de apoiar o aprimoramento das políticas, das ações e da infraestrutura voltadas à proteção do melhor interesse das crianças na primeira infância”, expôs Janaína.

Em outra seção do estudo, que abordou a proteção da criança na dissolução da sociedade conjugal, a alienação parental apresentou acréscimo de mais de 300% nos processos litigiosos quando comparados aos consensuais. Sobre a atuação intersetorial das varas de família com outros órgãos de proteção à infância, a não realização desse tipo de integração é superior a 50%, sendo que mais de 84,4% das varas exclusivas desconhecem se na localidade em que atuam há a execução do Plano Municipal da Primeira Infância. Com isso, a pesquisadora Janaína destaca que foi percebida uma lacuna entre o Poder Judiciário e outros órgãos da rede de proteção à primeira infância.

Paola explicou que os dados sobre a “Destituição do Poder Familiar (DPF) e adoção de crianças” foram levantados com apoio do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), implementado a partir de 2019. Ao trazer o “Perfil das crianças acolhidas no momento da extração dos dados”, o estudo apontou que, com exceção de Santa Catarina, em todas as demais unidades da Federação, a incidência de casos de covid-19 foi maior em crianças em unidades de acolhimento do que na população de referência. “Isso nos leva a questionar o quanto realmente essas crianças estão protegidas nesses ambientes também quanto a outros vírus e complicações”, enfatizou a pesquisadora Janaína. De acordo com as profissionais, a partir desses conhecimentos podem ser pensadas políticas públicas sérias e corretas.

Invisibilidade

A juíza auxiliar da Presidência do CNJ e coordenadora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) Livia Peres apresentou a consultora Luciana Silva Garcia, que explanou sobre a segunda pesquisa. A painelista defendeu que o cenário ideal para o perfil das mulheres abordadas no estudo é a liberdade, “principalmente quanto às gestantes e às mães”. Ela esclareceu que o levantamento ocorreu no auge da pandemia de covid-19, entre 2020 e 2021, em 18 comarcas nas cinco regiões e com 180 interlocutores, como membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder Executivo estadual, entre outros, mas não com as mulheres encarceradas.

Ela informou que a intenção foi olhar a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância em relação às mães privadas de liberdade, inclusive grávidas e lactantes, bem como entender como os atores do Sistema de Justiça compreendem essa mulher. A painelista enfatizou que o público-alvo do trabalho sofre uma dupla punição, “porque essas mulheres rompem como uma regra do Sistema de Justiça criminal e porque não atendem os papéis de gênero socialmente dominantes”.

Com base no levantamento feito, a pesquisadora Luciana disse que a percepção, quanto ao público pesquisado, é que essas mulheres entram no sistema socioeducativo, principalmente as adolescentes, devido ao tráfico de drogas. Essa infração costuma ocorrer pela fragilidade dos vínculos familiares, pela ausência da figura paterna ou materna, pelo uso abusivo de drogas ou por relação amorosa com homens envolvidos com o tráfico.

Ao analisar os direitos das mães privadas de liberdade e o que a pesquisa colheu, a pesquisadora sustenta que “tem sido feita uma interpretação do direito distinta para manter essa mulher em privação de liberdade. Temos evidências de que o que está sendo feito tem violado direitos das mulheres, das crianças e dos adolescentes. O desafio é fazer que as decisões judiciais contemplem os dados produzidos sem ferir a independência judicial”, defende.

Adoção

A diretora do DPJ, Gabriela Soares, ao apresentar a pesquisadora e terceira painelista, Alessandra Rinaldi, ressaltou a riqueza dos dados levantados e o desafio da coleta realizada, durante o auge da pandemia. Ao expor o conteúdo do trabalho, a painelista informou que foram entrevistadas 143 pessoas de 30 comarcas. O enfoque foi a análise das relações estabelecidas entre o Sistema de Justiça e as organizações responsáveis pelos serviços de atenção à criança na primeira infância, como conselhos tutelares e profissionais das casas de acolhimento.

Ela destacou que foi possível perceber nas comarcas participantes do levantamento, que a atenção à primeira infância não se faz de acordo com o que está previsto no marco legal (Lei n. 13.257/2016) e “sim em resposta a demandas locais específicas”, pontuou. Isso foi percebido ao responderem que atenção à primeira infância é garantir vaga em creche, escolas, direito à saúde e aos medicamentos. Nesse sentido, ela avaliou como necessária a capacitação sobre o que é o marco.

Sobre a entrega voluntária de crianças, a maioria dos entrevistados entendeu como uma das alternativas mais efetivas do marco legal. “Apesar de serem encontrados diferentes programas dirigidos à entrega voluntária, a efetividade depende, mais do que um trabalho em rede, das moralidades das pessoas implicadas na iniciativa” justifica. Dados de campo apontaram profissionais “com a certeza de que a eles compete a função de demover as mulheres quando da decisão da entrega, tanto juízes, como defensores públicos, conselheiros públicos muito ativos nessa cruzada moral”, expôs a pesquisadora.

Destituição de poder familiar

A maioria dos casos que chegam às varas quanto à destituição do poder familiar é de mulheres usuárias de drogas, principalmente crack e em situação de vulnerabilidade social. Quando elas passam a ter suas vidas analisadas pelo Sistema de Justiça, isso costuma ocorrer sob uma perspectiva moral. “A vida dessas populações é gestada por pessoas brancas e ricas, julgando pessoas pretas e pobres”, destacou a palestrante ao reproduzir frase que ouviu de um defensor público.

Indígenas e quilombolas

A pesquisa também buscou dados sobre adoções de crianças das populações indígenas e quilombolas. Para esta, foi constatada ausência de informações. No caso dos indígenas, mesmo sendo menos invisibilizados, há muita discriminação e preconceito sobre as famílias, destacou. Ao mesmo tempo, identificaram excesso de acolhimento de crianças indígenas. Porém, elas costumam ser levadas para universos diferentes do convívio de suas famílias e cultura.

Para ler a íntegra desse trabalho e dos outros dois, basta acessar a página do Pacto Nacional pela Primeira Infância, no portal do Conselho Nacional de Justiça.

Texto: Margareth Lourenço
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias

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